Ao fim de quase uma hora e 45 minutos de entrevista pelo Skype e depois de ter saído de “banco” do hospital, Aaron despediu-se a dizer que lhe soube bem a conversa. Sente que nunca pode "falar sobre estas coisas”.

Que coisas são estas? Primeiro precisamos de saber quem é Aaron Arroyave. Norte-americano com ascendência colombiana, é médico e está a frequentar o internato de cirurgia geral no hospital universitário de Knoxville, no estado do Tenneessee. Precisamos ainda de partilhar que esta é a segunda conversa com Aaron — a primeira aconteceu exatamente quando Donald Trump, de quem é apoiante, cumpriu os primeiros 100 dias de mandato.

Agora, a poucos meses das eleições norte-americanas — agendadas para novembro deste ano —, e com a América ainda mergulhada na pandemia, "estas coisas" de que falámos têm muito que ver com a gestão da crise de saúde pública e económica provocada pela covid-19. Mas são mais que isso. Porque é difícil falar dos Estados Unidos sem falar da imprensa, da bipolaridade política, das verdades, meias verdades e mentiras.

Com 30 anos, Aaron vê-se rodeado de amigos democratas, identifica-se como republicano e afirma que o socialismo é perigoso por ser idealista. Ao mesmo tempo, acredita que devemos dar o nosso melhor pela sociedade. Faz questão de dizer que o facto de se querer especializar em cirurgia oncológica vai beber a esse princípio.

Para Aaron, Trump não é claramente a melhor solução para o país, mas o choque é grande quando fala nas alternativas. Foram poucas as vezes em que não levou as mãos à cara quando mencionou o nome de Joe Biden, ex-vice-presidente de Barack Obama e aquele que se encaminha para ser o candidato democrata. As reações mais viscerais são motivadas pelos momentos em que o político parece esquecer-se do nome de Obama [por exemplo, neste vídeo, que motivou várias sátiras] e, em particular, pela maneira como Biden interage com as mulheres — há já vários anos que o político é criticado por ter uma proximidade física excessiva, tornando-se por vezes desconfortável.

Aaron vê a imprensa como a responsável pela desunião no país, mas também como a solução — e explica como. Termina a reconhecer os aspetos que o aproximam das pessoas que vivem na bolha contrária à dele e a explicar em que é que gostava de ser compreendido.

De 1 a 10, quão satisfeito estás com a forma como Trump tem gerido a pandemia?

Cinco.

Porquê cinco?

Por um lado, discordo do facto de Trump dar qualquer tipo de conselho médico. Não tem habilitações nem formação para isso, não tem conhecimento dos medicamentos, não percebe de epidemiologia. Por outro lado, o reconhecimento da importância da nossa economia é também muito válido. O facto de fecharmos a economia a nível nacional, sem exceções, tem consequências a longo-prazo, da mesma maneira que o vírus tem. Há pessoas que vivem à espera do final do mês e que neste momento não têm ordenado. É horrível. É importante tomar a decisão de manter ou não as pessoas confinadas dependendo da população com que se está a lidar. O facto de Trump ter deixado a escolha na mão dos estados foi uma ótima decisão. Portanto, estou mesmo num meio termo sobre como Trump tem lidado com a situação.

Podes dar mais exemplos daquilo que te faz optar pelo cinco?

Por exemplo, acho que a medida de entregar cheques de apoio aos norte-americanos foi ótima. Estou certo de que ajudou toda a gente que os recebeu. Parece-me apropriado. Não sou de todo defensor do socialismo, mas em certas circunstâncias, quando as pessoas não podem [sublinha com a voz] ir trabalhar, não podem [volta a sublinhar com a voz] ter trabalho, acho que é benéfico [dar-lhes o apoio] desde que seja temporário e que haja um plano. Também concordo com as restrições às viagens com origem na China. Ao início as pessoas diziam que era racismo, acusações que a oposição a Trump tem tendência a fazer-lhe, quando na realidade o Presidente estava a evitar que as pessoas viessem do sítio onde o vírus começou. É bom senso.

Em que outros aspetos discordas de Trump?

[Pensa durante algum tempo] São tantos exemplos das declarações sobre questões de saúde.

Há alguma situação específica que te tenha preocupado mais?

Trump diz que a hidroxicloroquina é a cura para o coronavírus. O Presidente não sabe do que está a falar, não devia falar sobre medicina, porque não tem habilitações para analisar dados científicos na área da saúde. Legitimamente, os médicos infecciologistas dizem: "Não, isso ainda não foi provado. Só porque as pessoas melhoram quando tomam hidroxicloroquina, não quer dizer que melhorem por causa do medicamento”. O problema é que os republicanos que não têm informação agarram-se às declarações de Trump e, quando a imprensa diz que a hidroxicloroquina não é a cura, ficam a achar que isso são tentativas de travar a disseminação do medicamento.

Como vês a situação em que Trump levanta a possibilidade de a covid-19 poder ser curada através da injeção de desinfetante

Deus... Às vezes é preciso sermos seletivos com o que Trump diz. O Presidente não tem conhecimentos de medicina e isso leva-o a dizer coisas que fazem com que pareça estúpido. Trump precisa de saber quando é para ficar calado. Nesse caso, alguém lhe deve ter estado a falar sobre formas potenciais de lutar contra esta doença, ele percebeu mal e depois comunicou dessa forma para as massas. Toda a gente à esquerda diz: "Ele é tão estúpido". E as pessoas à direita dizem: "Vocês estão a tentar dificultar a procura de uma cura e eu vou beber lixívia porque o Presidente disse”. [revira os olhos] Há pessoas ignorantes de ambos os lados, republicanos e democratas. E ambos lutam de forma tão aguerrida pelo seu lado que se torna politizado. Isto porque a nossa imprensa é muito tendenciosa.

Neste caso, de que forma é que isso se nota?

Deixa-me dar um exemplo. Por um lado, os republicanos que beberam lixívia são completamente tontos. É pura ignorância, estupidez e falta de bom senso. Quanto aos liberais, houve artigos a dizer que um homem tinha morrido depois de tomar o medicamento que Trump disse que curava a covid-19. Na realidade, o homem tomou um produto de limpeza de aquários, com um nome similar ao medicamento de que Trump fala. O meu problema é que a imprensa contorce o que aconteceu para que soe diretamente contra Trump. A informação não é correta, porque faz parecer que o medicamento que Trump disse que funcionaria matou alguém. Quando, na verdade, a pessoa não tomou o medicamento.

Já que falamos da imprensa, qual é a tua perceção de como os media estão a fazer a cobertura da pandemia e das ideias e ações de Trump?

Os media aqui [nos EUA] são extremamente liberais, 95% são completamente contra Trump. O problema é que o Presidente não se ajuda a ele próprio. Eu acho que Trump faz coisas ótimas. As ações dele falam muito mais alto do que as suas palavras. Na verdade, às vezes gostava que ele não falasse de todo. Por vezes o que ele diz é tão estúpido que torna muito fácil que a imprensa liberal o faça parecer um idiota.

Concordas com as ações de Trump, mas achas que o Presidente não devia falar tanto. É isso?

Trump é um homem muito inteligente. Mas isso acaba por não se notar, porque o Presidente não reconhece a sua falta de conhecimento em determinados assuntos e dá a entender que é mais esperto do que todos os outros. Dito isto, não pode ser menosprezado que Trump sabe como construir uma economia e não pode ser minimizado o facto de Trump ser muito bom a lidar com países que se apresentam como ameaça aos EUA.

O que valorizas em Trump nesses campos?

Trump é muito direto. Traça uma linha e diz: "Esta linha não podem pisar". Em termos de política mundial, é muito importante que essa linha seja respeitada. E para isso é preciso ser muito claro. Com o Irão o que aconteceu foi: "Não pises o risco. Ok, pisaste o risco. Aqui vai uma ação grande. Podemos ficar o dia todo nisto. Precisas de saber com quem te estás a meter, para de brincar. Vamos ser civilizados. Isto são os EUA". Nesse sentido, acho que ele é um grande líder. Tem algumas competências inatas nalgumas áreas, como a economia e defesa militar. Depois não reconhece as suas fraquezas, como o caso da comunicação.

Da última vez que falámos, disseste que Trump enviava tweets de forma demasiado leviana. Ainda tens essa opinião? 

É difícil de dizer. Se Trump não enviar tweets, não tem voz. Acho que vai mudar o paradigma daqui para a frente de como os presidentes comunicam com a população. Por outro lado, Trump precisa de alguém que lhe faça o filtro e que o ajude a usar os canais próprios. Mas mesmo isso… Com Trump a dizer tudo o que quer, pelo menos os norte-americanos sabem exatamente o que ele pensa. É extremamente importante que os líderes sejam transparentes. Mesmo que o que dizem seja estúpido.

Trump, enquanto Presidente dos EUA, usa na sua conta de Twitter, por exemplo, expressões como “idiota e “louca para se referir a Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes. Essa é, a teu ver, a linguagem que um chefe de Estado deve usar? 

Para ser honesto, de certa forma até gosto, porque se está a comportar como uma pessoa real, não como um político. É quase revigorante. Pode ser imaturo. Mas às vezes sabe-me bem saber que a pessoa que está a gerir o país não tem medo de dizer exatamente o que acha. Mais importante do que aquilo que um presidente diz é a honestidade por detrás do que está a dizer. Com Trump sabes que o que ele diz é o que sente e o que vai fazer.

Há umas semanas, numa conferência de imprensa, Trump disse que tinha autoridade total sobre os estados e os governadores. Se, mais do que aquilo que a pessoa diz, valorizas o que está por detrás das palavras, não ficas preocupado que neste caso isso possa significar que o Presidente acredita que tem o poder absoluto? 

As ações dele falam mais alto do que as palavras. E claramente se Trump achasse que era um ditador, não teria respondido da maneira que respondeu, acabando por reconhecer o poder dos governadores e dos estados. Às vezes, Trump diz coisas que soam um bocado estúpidas. Mas, no fundo, acho mesmo que é uma boa pessoa e que quer o melhor para os EUA.

A que fontes recorres quando queres estar informado?

Essa é uma questão mesmo importante sobre a qual as pessoas deviam refletir de forma muito crítica. Eu sinto que, entre os meus pares, se calhar sou o único que vai à procura de informação dos dois lados. Eu, por exemplo, leio artigos de publicações com inclinação editorial de esquerda.

Por exemplo?

Todos os artigos publicados no Reddit.

Mas o Reddit é uma plataforma, uma rede social, não é uma publicação jornalística.

Mas eles controlam os links que lá são publicados. Por exemplo, o subReddit /r/politics não é equilibrado [página do Reddit onde se partilham artigos dedicados exclusivamente à política norte-americana]. Desafio-te a encontrar lá um único artigo de inclinação à direita. Não vais conseguir. É aí que muitas pessoas vão buscar informação. E à televisão também. O único canal conservador é a Fox News. Da mesma maneira que todas as outras cadeias — CNN, MSNBC — são incrivelmente tendenciosas, também a Fox o é. E é perigoso ouvir só um ou outro. Então, ouço os dois.

A que outras fontes recorres?

Antes subscrevia a Politico e o The Hill. Mas mesmo esses, que se dizem imparciais, são extremamente tendenciosos. A melhor fonte de notícias que encontrei e que recomendo a toda a gente por ser tão imparcial é uma newsletter diária muito simples chamada The Skimm. Resume, em curtos parágrafos, os principais acontecimentos pelo mundo nas últimas 24h. E não dá opiniões. Descreve de uma forma muito equilibrada: “Isto é o que aconteceu, estas pessoas têm esta posição, estas outras têm esta outra opinião”.

Dizias que entre os teus pares és dos poucos que procuram informação sobre ambos os partidos.

Sim, os republicanos não veem os debates dos democratas. Pensam: isto são só ideias liberais e estão todos errados. Na maioria das vezes, eu discordo daquilo que é dito. Mas ao menos sei o que estão a dizer e posso identificar coisas de que gosto em cada um e estou informado sobre quem se está a candidatar à presidência. É de loucos que Joe Biden seja o candidato dos democratas. Choca-me. Nunca conheci um apoiante do Joe Biden. Nem um!

Nem entre os teus amigos democratas?

Nem entre eles. Tenho mais amigos democratas do que republicanos. E nunca — nunca! — conheci um adulto ou um jovem adulto que seja apoiante do Joe Biden. Já conheci inúmeros apoiantes fanáticos do Bernie Sanders. E choca-me o facto de que a marioneta senil se possa tornar o candidato democrata, depois de ter dito o que disse e de ter feito o que fez.

A que te estás a referir? 

A inúmeras coisas. Há imagens dele a deixar mulheres e raparigas extremamente desconfortáveis. É doentio. Fico chocado. Como é que se vê estas imagens e não se acredita nas pessoas que o acusam [de assédio sexual]? Eu sei que a resposta para isso será: bom, e aquilo de que Trump é acusado? A minha preocupação é que ambos objetificam mulheres e ambos são muito misóginos. Mas eu acho que o Joe Biden está senil. Não acho que ele tenha capacidade mental para gerir um país, para gerir um estado, para gerir uma campanha. Não consigo entender.

Da última vez que falámos, tinham passado 100 dias desde a tomada de posse do Trump. E agora estamos em ano eleitoral. Vais voltar a votar em Trump?

Absolutamente. Há tantas razões para escolher Trump. Digo-te as três principais. Número 1: Trump preocupa-se com os EUA, é norte-americano, põe o povo norte-americano em primeiro lugar, o que acho que é importante no líder de um país. Não quero com isto dizer que não devemos ajudar as outras pessoas no mundo, mas acho que devemos ajudar nos termos que nós definirmos. Não acho que nos devam dizer que temos de ajudar as pessoas e que valores devemos alocar a isso. Cuidamos das pessoas aqui, e ajudamos os outros quando tivermos capacidade e quando tivermos a nossa economia onde precisamos que ela esteja. Número 2: Trump manteve a palavra dele. Antes da covid-19, a economia estava crescer, o desemprego estava nos valores mais baixos de sempre, a minha casa estava a valorizar-se e eu estava a receber um salário cada vez melhor. Número 3: Não entendo como é que alguém não votaria no Trump. É que se não votares no Trump nem sequer sabes em quem votar. É muito evidente que o Biden está senil. Uma pessoa questiona-se: como é que este é o candidato democrata? Como é que se esquece do nome da pessoa de quem era vice-presidente? Como é que tem comportamentos tão assustadores com crianças e mulheres?

O que respondes se alguém argumentar que o mesmo pode ser dito sobre Trump: como é que se vota em alguém que dá conselhos médicos perigosos para a saúde, que faz afirmações a objetificar as mulheres e que diz que tem poder absoluto?

É escolher o menor dos males. Se houvesse uma pessoa melhor, eu votaria nela. Mas não há. Nem nos republicanos, nem nos democratas. Enquanto Trump é um livro aberto e é indelicado, Biden está doente. Não se pode ser um líder nessas condições.

Antes dizias que, se quisesses ter um dia tranquilo, não falavas sobre política e sobre Trump. Isso ainda é verdade?

Em Miami [onde vivia antes] é impossível. Aqui, o Tenneessee é bastante conservador. Mas mesmo assim não estás livre de uma grande discussão. Uma dia destes, quando fui a uma conferência em Nova Orleães, um dos internos com quem um amigo meu e eu começámos falar sobre o que é justo e como achamos que o país deve funcionar começou a chamar-nos "homens brancos ricos”. Ele, que é de Oklahoma e é rico, enquanto que o meu amigo é de origem cubana e eu sou metade colombiano. O rapaz começou a tremer de raiva, a ficar furioso. Estava tão inflamado que quase se tornou violento. Essa é a atitude da maioria das pessoas, dos jovens nos EUA. E é uma pena. Não há discussões civilizadas.

O que achas que poderia unir as pessoas?

Meios de comunicação social honestos, não tendenciosos. Acredito nisso com muita convicção. A imprensa atiça um lado contra o outro. E as pessoas acabam por se colocar em lados polarizados. Não conseguem pensar por elas próprias porque não têm onde ir buscar informação a partir da qual possam formular as suas ideias. Toda a gente está a pensar por elas.

Em que é que sentes que as pessoas que não concordam contigo não te entendem?

As pessoas não são realistas sobre a natureza humana e são extremamente idealistas. Têm tanta vontade de projetar a autovirtuosidade que não aceitam a natureza humana, que é de competição, sobrevivência, defesa própria, ter filhos, querer que os filhos sejam saudáveis, que os netos sejam saudáveis. Pode ser um ponto de vista pessimista e as pessoas podem dizer que isto me torna conservador e que sou ganancioso, etc., mas acho que [o idealismo] é uma negação da verdade.

Há aspetos defendidos por essas pessoas com que concordas?

Absolutamente. Acho que toda a gente devia ser igual, que devíamos partilhar e ser altruístas. Eu tento ser tão altruísta quanto consigo. E sigo a regra de ouro de tratar os outros como gostava que me tratassem a mim. Aquilo de que não gosto é quando se ignora a realidade. Embora admire o idealismo, a maioria das vezes as pessoas não estão a ser verdadeiras. Se são tão idealistas, porque é que não dão algum do dinheiro delas? Porque não oferecem o quarto extra que têm em casa a uma pessoa sem-abrigo? Parece que só se pode ser ou um ou outro: ou um republicano que só defende os próprios interesses, que quer as suas armas e é uma má pessoa; ou um liberal que quer dar tudo de graça, mas que quer manter o seu iPhone e que não entende as implicações dos impostos.

Porque o seu tempo é precioso.

Subscreva a newsletter do SAPO 24.

Porque as notícias não escolhem hora.

Ative as notificações do SAPO 24.

Saiba sempre do que se fala.

Siga o SAPO 24 nas redes sociais. Use a #SAPO24 nas suas publicações.