“Os interrogatórios dos arguidos foram dados sem efeito, isto é, foram adiados ‘sine die’ [para data a determinar]”, refere um comunicado do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, citando notificações recebidas por causídicos do processo.

A juíza de instrução de criminal (JIC) responsável por este processo emitiu em 13 de março um despacho que foi publicitado na sexta-feira, em que antecipava para 25 de março (próxima quarta-feira), 30 de março e 01 de abril os interrogatórios da “Operação Éter” que anteriormente agendara para 22 e 27 de abril.

No despacho de 13 de março, a JIC invocou o “caráter urgente” das diligências e escreveu que a fase instrutória deveria “correr termos sem limitações”.

Nesse despacho, divulgado à agência Lusa por fonte judicial, a magistrada titular do processo escolheu para as diligências a maior sala de audiências da comarca, no tribunal de Matosinhos, como forma de evitar o “perigo de contágio”, mas o presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados, Paulo Pimenta, contestou a opção por ser “totalmente incompreensível, injustificada” e arriscada para a saúde.

Em comunicado emitido no sábado, o presidente do Conselho Regional da Ordem sublinhou que “a atribuição de caráter urgente à instrução não é acompanhada de qualquer fundamentação ou justificação”.

Acresce, segundo Paulo Pimenta, que o despacho que antecipou as diligências instrutórias foi proferido depois de, na véspera (12 de março), o Conselho Superior da Magistratura, já no contexto da emergência de saúde pública decorrente da covid-19, ter emitido comunicado no sentido de que, nos tribunais de 1.ª instância, só deveriam ser realizadas diligências em que estejam em causa direitos fundamentais.

O causídico alertou ainda para a lei publicada na quinta-feira que determina “a não realização de atos e diligências em quaisquer processos, incluindo instruções em processo crime, salvo estando em causa direitos fundamentais, nomeadamente havendo arguidos presos, mantendo-se tal limitação enquanto perdurar o estado de exceção, em virtude de emergência de saúde pública”.

Hoje, “na sequência da sua tomada de posição pública sobre este assunto”, de contestação ao despacho, o Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados “congratula-se agora com a decisão agora tomada pelo tribunal”.

A decisão de protelar os interrogatórios não teve qualquer intervenção do Conselho Superior da Magistratura, sublinhou fonte deste órgão de gestão dos juízes, depois de questionado sobre o assunto pela agência Lusa.

“A diligencia foi dada sem efeito mesmo antes da interpelação [da agência Lusa] ao Conselho. Quem pode suspender uma diligência nunca é o Conselho, mas o juiz do processo ou o presidente da Comarca”, disse a fonte.

O processo Éter, sobre alegada viciação de procedimentos de contratação pública em torno da Entidade de Turismo do Porto e Norte de Portugal (TPNP), esteve na origem de uma megaoperação realizada pela Polícia Judiciária em outubro de 2018 e levou o Ministério Público a imputar centena e meia de crimes a 29 arguidos (21 singulares e oito coletivos), incluindo o ex-presidente do TPNP Melchior Moreira, com 35 crimes.

O processo contra Melchior Moreira foi desanexado para julgamento em separado e o principal, com os 28 arguidos restantes, segue para instrução, na sequência de requerimentos de 19 deles.

Em investigação estão outras ramificações da Operação Éter: uma visando autarcas e ex-autarcas de 47 municípios, sobre lojas interativas de turismo; outra sobre a alegada utilização de verbas destinadas a publicitar o rali de Portugal em publicidade de cariz diferente e eventuais crimes de prevaricação.

A matéria constante da acusação a filtrar em sede da instrução agora protelada reporta-se a cinco linhas de investigação da operação Éter sobre o Turismo do Porto e Norte, estando em causa, entre outros, os procedimentos de contratação de pessoal e de aquisição de bens, a utilização de meios da entidade para fins pessoais e o apoio prestado a clubes de futebol - a um como contrapartida de favores pessoais ao presidente da referida entidade estatal e a outro como meio de autopromoção pessoal deste no meio futebolístico.

O recebimento indevido de ajudas de custo e o recebimento de ofertas provenientes de operadores económicos são outras matérias do processo.