Numa comunicação feita a partir do Hotel Sheraton, no Porto, Rui Rio reagiu oficialmente a decisão instrutória tomada pelo juiz de instrução criminal Ivo Rosa na passada sexta-feira no âmbito da Operação Marquês.

“Pela primeira vez na história deste regime, foi afirmado por um juiz num processo penal a indiciação de um ex-primeiro-ministro pela prática de crimes de corrupção que, no entanto, não podem ir a julgamento ou porque prescreveram ou porque a prova recolhida, apesar de o provar, não pode ser utilizada", afirmou o líder social-democrata, referindo-se à acusação de José Sócrates.

Ivo Rosa decidiu mandar para julgamento o ex-primeiro ministro José Sócrates, o seu amigo e empresário Carlos Santos Silva, o ex-ministro Armando Vara, o banqueiro Ricardo Salgado, todos por crimes económicos e financeiros, mas deixou cair as acusações de corrupção e fraude fiscal.

No entender de Rui Rio, "o povo, esse mesmo que o sistema de Justiça convocou para acompanhar a par e passo este processo, é exactamente o mesmo que não entende esta decisão", o que tem provocado um abalo de confiança no sistema judicial português.

"As decisões da Justiça têm de ser entendidas pelo povo. Quando não o são, é a Justiça a não funcionar", alertou Rio, adiantando que "dizer o contrário é negacionismo e é procurar fugir ao problema para assim se sacudir a responsabilidade de algo se fazer, para que tudo continue na mesma numa degradação lenta e perigosa" que pode ser aproveitada por "movimentos extremistas" ou que coloquem o atual estado de direito em causa.

"É certo que a Justiça acusou esse mesmo ex-primeiro-ministro [José Sócrates] de graves crimes de branqueamento de capitais e de falsificação de documentos. É certo, também, que esta não é a sentença final. Mas nada livra, mais uma vez, o sistema judicial de não estar capaz de responder, em tempo útil e oportuno, aos anseios de um estado de direito democrático. Quantos anos já passaram e quantos vão ainda passar até à sentença final?, questionou.

Apesar das críticas hoje apresentadas, o presidente do PSD diz que o partido "renuncia a cavalgar o clima político que se instalou na decorrência da decisão instrutória da Operação Marquês, evitando assim a demagogia e o consequente agravamento do descrédito em que a Justiça se colocou”. No entanto, Rio diz que o partido vai manter a defesa de que "a reforma da Justiça é a primeira das reformas que Portugal tem de fazer" e que "se é certo que o regime está muito doente, a Justiça é dentro dele o seu pior exemplo".

O líder social-democrata apontou a mira a António Costa por ter reagido com a frase "à Justiça o que é da Justiça e à Política o que é da Política” ao desenlace da fase instrutória do processo, considerando-a uma "hipocrisia", já que "todos sabemos que num estado de direito democrático é obrigação dos órgãos de soberania legitimamente eleitos definir um quadro legislativo coerente e eficaz e assegurar os recursos técnicos e humanos para que a soberania da justiça seja credibilizada e respeitada e as suas decisões sejam verdadeiramente independentes”.

Rio deixou também duras críticas à atuação do Ministério Público, considerando que este optou por "renunciar a adequada discrição que se lhe exige e a optar por seguir o caminho da investigação espetáculo", convidando os cidadãos comuns a tomar parte num processo com "as constantes violações do segredo de justiça durante a fase de investigação e a intoxicação da opinião pública com todo o tipo de histórias, falsas ou verdadeiras". Tal caminho, apontou, tem sido tomado "desde há uns anos a esta parte” pela Justiça, em particular por "muitos agentes do Ministério Público e dos órgãos de polícia criminal".

"É assim com este processo, e tem sido assim com muitos outros, triturando na praça pública culpados e inocentes, e acima de tudo, triturando-se a justiça a si própria e descredibilizando-se de forma dramática à luz dos princípios de um estado de direito democrático”, disse Rio.

O presidente do PSD denunciou também a "morosidade da Justiça" como "outro grave problema que se arrasta há muitos anos sem que tenha havido dos agentes judiciais ou dos responsáveis políticos vontade de mexer no sistema", que tem uma "ineficácia absolutamente inaceitável".

Rui Rio criticou também atual Governo e em particular a sua ação na área da Justiça, afirmando que a marca mais relevante é a "da sua permanente preocupação em servir as corporações", dando como exemplo o "forte aumento" dos salários dos magistrados e a "subjugação socialista à narrativa, em nome de uma falsa independência, de que o Conselho Superior do Ministério Público tem de manter uma composição maioritária de magistrados, em vez de uma maioria de cidadãos".

"Que esperam os sistemas judiciais e de supervisão como reação dos portugueses, quando em crimes de ainda maior envergadura do que os da "Operação Marquês" nada acontece e ninguém é culpado? É a prova máxima de que o país vive na impunidade; pelo menos no que aos mais poderosos concerne", disse.

Para o social-democrata, é "esta hipocrisia e falta de coragem que têm feito crescer os movimentos políticos extremistas", insistindo que a melhor forma de os combater e de estancar o seu crescimento é a "coragem de mudar o que tem de ser mudado".

Dos 28 arguidos, Ivo Rosa pronunciou apenas cinco e ilibou, entre outros, os ex-líderes da PT Zeinal Bava e Henrique Granadeiro, o empresário Helder Bataglia e o ex-administrador do Grupo Lena Joaquim Barroca, que estava indiciado por 21 crimes.

Dos 189 crimes que constavam na acusação, num processo que começou a ser investigado em 2013, só 17 vão a julgamento, mas o procurador Rosário Teixeira, responsável pelo inquérito, anunciou que ia apresentar recurso da decisão para o Tribunal da Relação de Lisboa.

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