“Nessa altura morava na Tapada das Mercês [em Sintra, no distrito de Lisboa] e peguei na família, na minha mulher, no meu filho e na milha filha e saímos de casa às 04:00 para podermos estar do outro lado por volta das 06:00, porque sabia a que horas as bilheteiras iam abrir”, revelou à agência Lusa o antigo passageiro, de 68 anos.

O objetivo foi alcançado e Orlando Pires conseguiu o bilhete número um na Estação Ferroviária de Coina, no concelho do Barreiro (distrito de Setúbal), apesar de a sua motivação ir muito mais além.

“Participei em todo o projeto de telecomunicações, ou seja, na montagem do sistema de vídeo, de áudio e tudo o que era informação ao público. Vi todas aquelas estações nascerem e serem feitas e acompanhei tudo aquilo que foi os ensaios dos comboios a passar”, indicou o ex-funcionário da REFER.

Para Orlando Pires, a inauguração foi “emocionante” pela possibilidade de ver todo o seu trabalho concretizado, mas também porque esta “não é uma linha qualquer”, exatamente por implicar testes à passagem do comboio sobre o tabuleiro.

“Um dos ensaios foi um comboio a circular na velocidade máxima que podia dar, salvo erro 130 ou 140, e, quando o comboio passou, voou tudo o que estava solto na gare. Desde papéis, as pessoas que estavam nos escadotes saltaram, parafusos. Nós não estávamos habituados a nada daquilo e foi um susto bastante grande”, contou, confessando que foi num destes testes que fez a sua “verdadeira” primeira viagem ferroviária sobre a ponte.

Já Vítor Santos, de 48 anos, foi o primeiro maquinista a efetuar um ensaio sobre a 25 de Abril, um momento que ainda hoje guarda na memória por saber que “estava a fazer parte da história” e porque na sua vida não verá mais nenhuma inauguração ferroviária “com o impacto que o Eixo Norte-Sul teve”.

“Confesso que além de termos todos a pulsação a um ritmo muitíssimo elevado, porque era a primeira vez que íamos passar a ponte com um comboio da Fertagus, conduzido pela tripulação da Fertagus, a viagem aconteceu extraordinariamente bem, não houve qualquer percalço e correu como milhares delas ocorrem todos os dias e todos os anos de há 20 anos a esta parte”, adiantou.

O atual chefe de segurança da Fertagus não teve a oportunidade de tripular a viagem inaugural, mas lembra-se das “filas para a aquisição de títulos de transporte” e das várias pessoas que efetuaram “viagens de alguma distância propositadamente para fazerem a travessia no primeiro dia”, como foi o caso de Orlando Pires.

Mas, uma das situações que mais guarda na memória são as “inúmeras” abordagens dos passageiros que questionavam “se seria mesmo seguro fazer a travessia da Ponte 25 de Abril no comboio”.

“Muitos deles acabavam por confidenciar que eram residentes na Margem Sul e que todos os dias fariam a mesma travessia em viatura particular ou de transportes públicos, no tabuleiro superior, e gerava sempre alguma empatia e boa disposição porque se houvesse algum problema na estrutura da ponte, era a ponte e não apenas o tabuleiro ferroviário. As pessoas achavam engraçado e viam 'in loco' que era perfeitamente seguro”, relatou.

Já Orlando Pires, com a sua experiência profissional, frisou que na inauguração não sentiu qualquer receio porque “as coisas já estavam testadas” e disse que o verdadeiro medo existiu quando a obra se iniciou.

“Havia um tabuleiro, mas era um tabuleiro perfurado e quando andávamos lá em cima para montar carris, mesmo que saltássemos meio metro, parecia que estávamos a saltar para o vazio, porque tem aquele rendilhado que se vê a água por baixo e nem toda a gente tem coragem para o fazer”, disse, rindo-se.

(Por: Diana Bento Silva da agência Lusa)