Para o jornalista e analista político Thomas Traumann, a disputa entre um presidente e um ex-presidente, além de inédita, deverá monopolizar as atenções dos brasileiros e, dentro desta pespetiva, ele não crê que os demais adversários terão hipótese de incomodar os líderes na campanha que começa agora.

“É a primeira vez na história do Brasil e uma das raras histórias no mundo que você tem um concorrente que é ex-presidente. Isso é uma coisa muito importante porque muda completamente a característica da campanha e significa que nós temos dois personagens que são conhecidos por quase 100% da população”, frisou Traumann.

“São dois personagens que já foram testados e, além disso, produzem sentimentos muito fortes na população. Os brasileiros ou amam ou odeiam o Lula [da Silva], ou amam ou odeiam o Bolsonaro”, acrescentou.

Este alto nível de conhecimento dos eleitores manifesta-se nas sondagens divulgadas no país, que de forma geral apontam Lula da Silva com pouco mais de 40% das intenções de voto e Bolsonaro com mais de 30% da preferência dos eleitores.

“Raramente você vai achar brasileiros que são indiferentes aos dois. Acho que esta é a grande característica desta eleição. Isto explica o facto de que a todas as tentativas feitas nos últimos meses para promover um terceiro candidato que pudesse furar [a polarização] fracassaram”, avaliou Traumann, que prevê que Lula da Silva e Bolsonaro irão somar mais de 80% dos votos válidos já na primeira volta.

Além deles, disputam também o lugar no Palácio do Planalto o ex-governador Ciro Gomes, em terceiro lugar nas sondagens, e as senadoras Simone Tebet, em quarto lugar, e a recém lançada candidata e senadora Soraya Thronicke, que terá grande espaço para fazer propaganda eleitoral devido à dimensão do seu partido.

“Bolsonaro e Lula da Silva são os dois grandes, os dois políticos mais populares do século XXI no Brasil. Eles têm bases populares reais que não são partidárias ou regionais. Eles representam duas visões muito diferentes do Brasil e têm essa relação muito próxima do eleitorado. Acho que isso faz com que esta campanha seja muito diferente de qualquer coisa a que já se assistiu”, comentou.

O especialista, que também se dedica a analisar sondagens qualitativas, disse acreditar que a disputa de 2022 tem como principal campo de batalha conquistar apoio das mulheres, que recebem entre dois e cinco salários mínimos, têm rendimentos irregulares e são, na sua maioria, ‘chefes de família’, ou seja, têm filhos, mas não maridos.

“É esse grupo [de mulheres] que vive nas regiões metropolitanas do Rio de Janeiro, de São Paulo, Minas Gerais que sente a inflação de uma forma muito pesada. Elas têm críticas ao Bolsonaro, mas elas não têm simpatia ao Lula da Silva porque também sentiram a recessão de 2014, 2015 e 2016. Esse é o grupo – se você pergunta para mim — onde acredito que será decisivo e pelo qual os candidatos lutarão num grande campo de batalha”, avaliou Traumann.

Para o especialista, o tema central que deverá definir o voto das mulheres e também de outros segmentos da população será a economia.

“O Brasil é, historicamente, e sempre foi o país do voto económico. Toda a nossa teoria na ciência política indica que o voto económico nada de braçada [é central] no Brasil. A questão toda é que o Brasil está um país mais pobre do que era há quatro anos, mais pobre que era há oito anos, mais pobre do que era há 12 anos”, frisou Traumann.

Seguindo nesta linha de raciocínio, o analista avaliou que o aumento do valor dos programas sociais aprovados no Congresso nos últimos meses, a criação de programas para categorias como motoristas de camiões e táxis, e verbas destinadas a parlamentares devem impulsionar os números de Bolsonaro nas próximas semanas, acirrando a disputa com Lula da Silva pela liderança e pela vitória.

“Literalmente, é dinheiro que está caindo na mão das pessoas, somado à queda na taxa da inflação. Tem um efeito direto para mim, não há dúvida nenhuma”, frisou.

Questionado sobre o peso das notícias falsas na corrida eleitoral, o especialista considera que neste ano elas não serão tão determinantes quanto foram em 2018 porque Lula da Silva e Bolsonaro são muito conhecidos e as pessoas já têm uma opinião formada sobre eles.

Para Traumann, outros dois temas terão peso: o aborto e a flexibilização de armas.

“As mães pobres do Brasil até aguentam muita coisa do Bolsonaro, mas o facto de que as armas estão liberadas e que matam os filhos delas, isso não. Ao mesmo tempo, elas são contra o aborto”, pontuou.

Segundo a justiça eleitoral brasileira, o prazo para registo das candidaturas a presidente e a vice-presidente da República, governadores e vice-governadores, senadores e respetivos suplentes, deputados federais e deputados estaduais ou distritais termina na segunda-feira (15).

Na terça-feira (16), começa a propaganda eleitoral dos candidatos, incluindo divulgação na internet e por altifalantes, caminhadas, ‘carreatas’ (desfiles de carro) ou passeatas. A campanha termina a 01 de outubro, véspera da primeira volta das eleições.

Em 26 de agosto começa o horário eleitoral gratuito nos sistemas de rádio e televisão do Brasil, que vai até 30 de setembro para os candidatos que concorrem na primera volta.

Prevista apenas para disputa de cargos executivos, ou seja, governador regional e Presidente, a segunda volta das eleições brasileiras será realizada em 30 de outubro caso nenhum candidato alcance maioria absoluta dos votos válidos na primeira votação.