“Quando o Governo põe na legislação dos cuidados continuados [a existência de] enfermeiros, médicos, auxiliares de ação médica e pouco mais, e faz contas ao que isto custa, esquece-se de uma série de recursos humanos, nomeadamente rececionistas, administrativos, pessoal de cozinha, de lavandaria e de limpeza”, explicou à Lusa o presidente da Associação Nacional dos Cuidados Continuados (UACC), José Bourdain.
O responsável sublinhou que, sem estes profissionais, “uma unidade de cuidados continuados não funciona”.
Um estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto concluiu que as unidades de cuidados continuados associadas da UNCC têm mais profissionais do que o exigido na legislação e José Bourdain lembra o custo acrescido que estas contratações representam: “Nós temos mais profissionais do que lei nos exige não é porque nos apetece, é porque não há outra forma. E isso implica um maior custo de funcionamento”.
“As coisas não têm de ser todas obrigatórias, tem de haver uma baliza, mas esta baliza agora peca por defeito, principalmente no que se refere a estes profissionais. É como se não existissem [na legislação]. No entanto, representam custos de dezenas e dezenas de milhares de euros por mês”, afirma.
Outro exemplo que dá para os custos que as unidades têm e para o subfinanciamento é o das refeições: “Saiu uma portaria da Segurança Social a dizer que às cantinas sociais vai pagar três euros por refeição principal. Se aplicarmos isto às unidades de cuidados continuados são duas refeições principais, muitas vezes as pessoas têm um reforço a meio da manhã e um lanche à tarde. Além da alimentação entérica, que é muito cara.”
“Se nós pensarmos em 10 euros por dia, por pessoa, para alimentação, um valor bastante razoável (...) e se consideramos 300 euros por mês, por pessoa, só isso representa praticamente 15% do valor [total] que nos pagam em longa duração”, explicou.
A propósito dos valores inscritos no Plano de Recuperação e Resiliência para as 5.500 novas camas de cuidados continuados previstas, o responsável questiona: “Qual é a lógica de construírem camas novas se deixam fechar camas nas unidades que não conseguem sobreviver por subfinanciamento?”.
José Bourdain admite ainda que se possa, por exemplo, pagar mais às unidades que fiquem em territórios de baixa densidade, ou pagar de forma diferente unidades que tenham menos de 30 camas: “Dessa forma, estamos a contribuir para que, de facto, essa rede de proximidade exista e estamos a ajudar as unidades do interior do país”.
“Essas sim, têm custos muito superiores aos nossos, porque se quiser um técnico de informática, ou para reparar a fotocopiadora, um computador, um ar condicionado ou o que quer que seja, ele desloca-se aqui rapidamente. Mas se o técnico tiver de ir a Beja, ou a Barrancos (…), os custos já não são os mesmos”, conclui.
Unidades de média duração são as que têm mais prejuízo nos cuidados continuados
O estudo da Faculdade de Economia do Porto, a que a Lusa teve acesso, concluiu que tanto as Unidades de Convalescença (UC, internamentos até 30 dias), como as Unidades de Média Duração e reabilitação (UMDR, entre 30 e 90 dias) e as Unidades de Longa Duração e Manutenção (ULDM, internamentos superiores a 90 dias) estão subfinanciadas, mas as que mais prejuízo têm são as UMDR.
Os autores do estudo sublinham que, apesar da atualização de preços em 2022, o valor pago pelo Estado “continua a ser consideravelmente menor do que os custos unitários suportados pelas instituições de cuidados continuados”, o que pode “comprometer a qualidade dos serviços” oferecidos por alguns instituições e “até mesmo a sua sobrevivência”.
O trabalho, feito a pedido da Associação Nacional de Cuidados Continuados (ANCC), aponta para um subfinanciamento estatal nas três valências, mas com agravamento se se tiver em conta o peso da atualização salarial deste ano e da inflação.
Pegando nas contas dos associados da ANCC, o estudo concluiu que as UMDR foram as que tiveram maior prejuízo mensal por utente no ano passado. Esta valência, que o Estado financia com 95,84Euro/utente/dia, teve um prejuízo de 10,40Euro/utente/dia em 2022, um valor que sobe para 15,01Euro quando se tem em conta o peso da atualização dos salários este ano e para 16,68Euro se for considerada a inflação.
Nas UC, em que o Estado paga 110,84Euro por utente/dia, o prejuízo foi de 6,56Euro utente/dia, um valor que sobe para 12,25Euro contando com o peso da atualização salarial e para 13,72Euro juntando a inflação.
Nas ULDM, o prejuízo foi de 5,28Euro/utente/dia, mas pode chegar aos 8,82Euro no cenário traçado pela Faculdade de Economia do Porto juntando a atualização salarial e aos 10,01Euro no segundo cenário, que conta também com o peso da inflação. Nesta valência, o valor pago pelo Estado é 75,48Euro/utente/dia.
O presidente da ANCC, José Bourdain, explicou que, como no ano passado houve uma atualização no valor pago pelo Estado no caso das ULDM, houve uma melhoria nesta valência, apesar de continuar subfinanciada.
“Apesar de os preços terem sido melhorados no ano passado, (…) isto significa, por exemplo, que a média duração teve um prejuízo mensal de 300Euro [por utente], um pouco mais, e que a longa duração teve, o ano passado, um prejuízo médio de mais de 150Euro”, afirmou.
Relativamente ao ano de 2023, o responsável diz que o prejuízo médio mensal deverá rondar os 500Euro/utente nas unidades de média duração.
José Bourdain salientou a urgência de uma revisão de preços pagos pelo Estado em todas as três valências, lembrando a importância de garantir a sobrevivência destas instituições: “Se olharmos para 2023, em que não houve qualquer atualização de preço, (…) temos o impacto do aumento do salário mínimo nacional, uma inflação que continua a crescer de bens e serviços, sendo que na parte alimentar ela é muito superior à média”.
Quanto aos trabalhadores destas unidades, acrescenta, muitos não tiveram aumento de salário, “mas outros até tiveram para além do salário mínimo”. “Portanto, o cenário [para 2023] agrava-se”, insistiu.
A ANCC tem vindo a insistir na necessidade deste aumento do financiamento do Estado, lembrando que as contas feitas para definir o pagamento estatal deviam levar em conta os aumentos salariais definidos para a Função Pública e a inflação, para garantir a sobrevivência destas instituições.
O estudo da Faculdade de Economia da Universidade do Porto abrangeu as 21 instituições associadas da ANCC, que no total têm 851 camas distribuídas pelas três respostas.
Depois de, em junho, o Governo ter anunciado um aumento de 40% no financiamento das novas camas de cuidados continuados por via do Plano de Recuperação e Resiliência, a ANCC considerou que o valor era “curto”.
José Bourdain foi ouvido em maio no parlamento, tendo revelado que, devido à asfixia financeira destas instituições, já tinham sido encerradas este ano 300 camas de cuidados continuados, admitindo que a situação piorasse ao longo do ano.
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