DEIXAR MARGEM PARA O ERRO

Como seres humanos, somos capazes de feitos extraordinários, de desempenhos fantásticos, mas de uma coisa não poderemos fugir: a possibilidade de falha, a incompletude. É nesse mesmo reconhecimento de fragilidades que pode residir a nossa maior força enquanto pessoas. Não há estados de perfeição físicos ou psíquicos: há equilíbrios melhores ou piores, mais curtos ou duradouros. Em suma, super‑homens ou supermulheres só mesmo enquanto heróis de banda desenhada, não como personagens da vida real. O mesmo na projeção para a infância e adolescência desta visão: não conheço superfilhos ou crianças e adolescentes perfeitos, embora as tentativas de adestramento precoce para que tal aconteça sejam cada vez mais evidentes e o desejo de muitos adultos seja mesmo ver neles aquilo que não conseguiram chegar a ser.

Mas entre procurar genuinamente evoluir, dar o melhor aos filhos e achar que temos de ser infalíveis (e vice‑versa) vai uma grande diferença, que, se não se aceitar de forma positiva, é a mais profunda fonte de mal‑estar individual e familiar. O choque de expectativas entre pais e filhos tem uma boa dose de saudável normalidade: há sempre diferenças de gerações e pontos de vista, diante de uma realidade que não cessa de mudar de forma cada vez mais rápida e confrontativa.

Livro: "Pais Suficientemente Bons"

Autor: Pedro Strecht

Editora: Contraponto

Data de Lançamento: 22 de fevereiro de 2024

Preço: € 16,60

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A impossibilidade de se controlar na totalidade o curso da vida pode ser angustiante para quem deseja a perfeição e esse é um dos maiores desafios atuais. No entanto, acentuar esse choque por não aceitação de diferenças ou de desvalorização de um «mínimo denominador comum» entre várias partes é sinónimo de mal‑estar. Mais do que criticar ou desvalorizar as crianças e os adolescentes é importante escutar e compreender o seu ponto de vista. Ser firme no propósito, claro, mas muito tolerante nos meios para o alcançar.

Por isso, há que ter a ideia segura de que mudar perante o que está mal não tem de implicar ruturas ou atitudes drásticas, mas sim seguir adaptações e evoluções sucessivas, por vezes quando menos se espera ou deseja. Nada tem de ser dramático ou tido como irreversível na relação com os filhos e, sobretudo, nenhum deles será também igual ao outro no seu trajeto; logo, não há fórmula mágica ou resolvente de uma equação deste tipo. Ao contrário do que muitos desejariam e verbalizam, é favor não esquecer que não existe manual de instruções para como «educar bem em 10 lições» ou «alcançar o sucesso» com o mínimo esforço necessário.

Por último, nunca é demais reforçar a certeza de que nada surge por milagre ou se altera de uma noite para o dia seguinte, muito menos que existem soluções fáceis ou universais. Tudo implica esforço, entrega, capacidade de diálogo, escuta, persuasão e clareza de objetivos. Nada se alcança num impulso, se atinge pelo reforço de likes em redes sociais ou simplesmente através do que designamos por sorte. De verdade, como também é costume dizer‑se, «a sorte dá muito trabalho» e a vida interior é um processo em contínuo desenvolvimento e adaptação desde o nascimento até à morte. No dia em que não sentirmos que existe um qualquer problema passado, uma dificuldade atual ou uma sombra negra no futuro, poderemos simbolicamente dizer que estamos mortos. Pois só tudo o resto significa… vida!