O conjunto composto pelo Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada de Mafra recebeu hoje a classificação de Património Cultural Mundial da UNESCO, na reunião do comité da organização, a decorrer em Baku, no Azerbaijão, anunciou a organização.

O monumento português fez parte “das 36 indicações para inscrição na Lista do Património Mundial”, que estão a ser avaliadas na 43.ª Sessão do Comité do Património, Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a decorrer em Baku, no Azerbaijão, até 10 de julho.

Este conjunto suscitou uma pequena discussão dentro do Comité, com o Conselho Internacional de Monumentos e dos Sítios (ICOMOS) a levantar algumas dúvidas face a esta candidatura. "Tivemos muitas discussões sobre este sítio porque o elemento crucial deste conjunto, mas achamos que a Tapada não está suficientemente documentada. Sem haver mais informações, não faz sentido recomendar este lugar como Património Cultural Mundial", disse a representante do ICOMOS.

No entanto, o monumento foi aprovado com apoio do Brasil, da Tunísia e da China, tal como outros Estados que fazem parte deste comité como Angola ou Indonésia, embora tenham apoiado as recomendações para a conservação e um estudo cartográfico deste complexo monumental.
"Mafra reúne todas as condições para ser reconhecido. Desejamos inscrever um edifício de valor extraordinário que tem também um jardim e uma tapada e não o inverso, como indica o ICOMOS", disse a representação de Portugal, ao defender esta candidatura.

A Lista do Património Mundial da UNESCO integra atualmente 1.092 sítios em 167 países.
Portugal conta com 15 locais classificados em território nacional, havendo ainda 11 que constituem património mundial de origem portuguesa no mundo.

O Centro Histórico de Angra do Heroísmo, o Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém, em Lisboa, num conjunto de proximidade, o Mosteiro da Batalha e o Convento de Cristo, em Tomar, foram os primeiros classificados, em 1983.

“Peca por tardia”, diz autarca

O presidente da Câmara de Mafra disse hoje que a classificação do Palácio, Basílica, Convento, Jardim do Cerco e Tapada de Mafra como Património Cultural Mundial da UNESCO “peca por tardia”.  “É um dia histórico para Mafra e para Portugal, porque esta candidatura apresentada há 10 anos foi hoje aprovada e só peca por tardia, porque já devia ter sido classificada há muito tempo”, disse Hélder Sousa Silva.

Para o autarca, a inscrição de Mafra na lista do Património Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO) “não é um ponto de chegada, mas um ponto de partida e traz responsabilidades acrescidas para a manutenção [do monumento] a curto prazo”.

Para Hélder Sousa Silva, este é, contudo, “um momento histórico para os mafrenses e para os portugueses, constituindo um motivo de orgulho e um compromisso de futuro”.

Traduzindo o orgulho da comunidade, declarou que “o monumento que é a síntese em ‘pedra e mármore’ da cultura barroca europeia não só marcou para sempre a identidade do concelho, como constitui a razão pela qual Mafra se encontra incluída, desde a primeira metade do século XVIII, nos itinerários culturais, religiosos, turísticos e académicos como símbolo de arte de expressão internacional”.

Fundamentando o apelo ao compromisso, explicou que “este reconhecimento constitui, mais do que um ponto de chegada, um ponto de partida, tanto para uma renovada consciencialização coletiva para a proteção acrescida do bem, no profundo respeito pela sua magnificência e pela plena fruição pública, como para a introdução de novas dinâmicas, posicionando-o como um local de (re)encontros: dos mafrenses com a sua história; dos nacionais e estrangeiros com um conjunto patrimonial diversificado na tipologia, mas único no conceito”.

Vitor Costa, Diretor Geral da Associação Turismo de Lisboa (ATL) e Presidente da Entidade Regional da Região de Lisboa (ERT-RL), reforça que “esta distinção engrandece todo o valor universal excecional do Real Edifício de Mafra, atribuindo-lhe um lugar de ainda maior destaque na oferta turística da região. O Real Edifício de Mafra apresenta um dos mais excecionais exemplos da arquitetura e da arte barroca, é uma obra de extraordinário impacto internacional e expressa um importante intercâmbio de valores humanos e artísticos em vários momentos da sua história, fatores estes muito valorizados pelos turistas estrangeiros que nos visitam.”

Nas palavras do Diretor do Palácio Nacional de Mafra, Mário Pereira, “A inevitabilidade de um reconhecimento não poderia, nem deveria ser protelada. Mafra e o seu monumento há muito que mereciam esta inscrição na lista do Património Mundial”.

“A Escola das Armas congratula-se com este reconhecimento que muito valoriza o Concelho de Mafra e Portugal. A Escola das Armas e o Exército continuarão, em sintonia com os outros parceiros deste projeto, a trabalhar para a conservação deste valioso património nacional, agora também considerado Património Mundial”, declarou o Comandante da Escola das Armas, Brigadeiro-General Silva Rodrigues.

A Presidente da Direção da Tapada Nacional de Mafra, Paula Simões, sublinhou: “Feita uma aposta na requalificação deste património natural, pondo em evidência os aspetos identitários e singulares, esta atribuição projeta internacionalmente este lugar. Neste momento, conseguimos transmiti-lo às gerações futuras com um valor acrescentado, e igualmente gerar um estímulo à continuidade da sua conservação e proteção. Reserva de biodiversidade, ponto de encontro de gerações e espaço de lazer sem paralelo, a Tapada Nacional de Mafra orgulha-se deste estatuto, abrindo as suas portas aos visitantes de todo o Mundo, que passarão a conhecer melhor este espaço e a sua História. A atribuição deste estatuto pela UNESCO é importante para a projeção internacional da região e o país. A primeira pesquisa que é feita pelos turistas no Google, no Booking ou no Trip Advisor é saber aquilo que é Património Mundial. Todos beneficiaremos do crescimento turístico que virá, será uma mola de desenvolvimento da região e permitirá aos operadores turísticos criar novas rotas”.

O Pároco de Santo André de Mafra, Luís de Barros, afirmou que “Os paroquianos de Mafra têm o privilégio de poder celebrar a sua fé na Basílica do Real Edifício de Mafra, um templo que é verdadeiramente inspirador: da estatuária italiana ao conjunto instrumental dos seis órgãos e dos dois carrilhões, incluindo a magnífica paramentaria. Face à distinção atribuída pela UNESCO, a Paróquia de Santo André de Mafra manifesta a sua alegria e renova o seu empenho na preservação, valorização e divulgação deste património singular”.

O dossiê com a proposta para a inscrição do Real Edifício de Mafra na lista do Património Mundial da UNESCO foi desenvolvido sob a coordenação da Direção Geral do Património Cultural e da Câmara Municipal de Mafra, com a colaboração do Palácio Nacional de Mafra, Escola das Armas, Tapada Nacional de Mafra e Patriarcado de Lisboa – Paróquia de Santo André de Mafra.

Real Edifício de Mafra: uno, único e excecional

O Real Edifício de Mafra é formado pelo Palácio que cerca a Basílica, cujo frontispício axial une os Paços do Rei e da Rainha, um Convento, um Jardim e uma Tapada, sendo uma das mais magnificentes obras de D. João V que dispôs de privilegiadas condições culturais e económicas para ombrear com as restantes monarquias europeias.

Desde a escolha do arquiteto (Johann Friedrich Ludwig, formado em Roma) que o projeto se instituiu como uma afirmação internacional da casa reinante portuguesa. O contínuo fascínio que o monarca sentiu por Roma levou-o a contratar importantes artistas para Mafra, que, assim, se transformou num dos mais relevantes locais do Barroco italiano fora de Itália.

Aquando da sagração da Basílica, no dia 22 de outubro de 1730, dia de aniversário do rei, o conjunto não estava ainda concluído, nem todas as obras de arte haviam chegado, mas há muito que o plano estava delineado: um Palácio Real dotado de dois torreões que, funcionando independentemente, eram as câmaras do casal régio; uma Basílica decorada com estátuas dos melhores artistas romanos e com um conjunto inusitado de paramentaria francesa e italiana sem paralelo no país; duas torres na fachada que albergam dois carrilhões mandados construir na Flandres e que constituem um património sineiro único no mundo; uma Biblioteca constituída por obras de grande interesse científico e das poucas que previa a incorporação de “livros proibidos”, bem como um acervo bibliográfico dos séculos XV ao XIX. Das décadas seguintes são os retábulos da Basílica, da autoria de Alessandro Giusti, artista de origem italiana que, em Mafra, iniciou uma verdadeira escola de escultura. Merecem, ainda, destaque os seis órgãos da Basílica, caso único no mundo em que se registou a conceção e realização, em simultâneo, de seis órgãos “dialogantes” entre si, já previstos no plano inicial na Basílica. O projeto foi entregue aos organeiros António de Machado Cerveira e Peres Fontanes. Estes foram cuidadosamente restaurados a partir de 1994, num processo premiado pela Europa Nostra.

O Palácio continuou a desempenhar as funções de Paço Real até ao final da monarquia, tendo mesmo sido em Mafra que D. Manuel II, último rei de Portugal, passou a derradeira noite antes de embarcar para o exílio. O Convento foi extinto em 1834 e, desde então, albergou diversas unidades militares que constituem, por si só, outro capítulo da história deste conjunto, pois estão ligadas aos grandes confrontos militares em que Portugal participou e à própria memória do exército português.

O Jardim do Cerco começou por ser a cerca conventual à disposição dos frades, mas, logo em 1718, D. João V mandou ali plantar todo o género de árvores silvestres. O conjunto alberga um grande lago central, para onde confluem águas da Tapada e de um poço anexo associado a uma gigantesca nora. Também ali se conserva um curioso Jogo da Bola, mandado construir pelos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, quando estes ocuparam o Convento entre 1771 e 1792.

A Real Tapada de Mafra (hoje designada Tapada Nacional de Mafra) foi criada em 1747 para servir as necessidades do Convento e para cenário venatório do monarca e da corte. Nos finais do século XIX e inícios da centúria seguinte, a Tapada foi palco privilegiado das caçadas do rei D. Carlos. Hoje, é um espaço vocacionado para a gestão florestal, cinegética, ambiental e turística. No seu interior, subsistem quatro fortes das Linhas de Torres, um dos quais já restaurado (Forte do Juncal), que ligam este espaço ao conflito europeu conhecido por Guerras Napoleónicas.