Mas a verdadeira revolução de Francisco está na forma como se relaciona com o exterior, informal, frontal e duro quando acha necessário na denúncia de conflitos, terrorismo, refugiados e, sobretudo, da pobreza.

Os múltiplos escândalos de pedofilia e as sucessivas denúncias de abusos de crianças por sacerdotes, assim como “a corrente de corrupção” que afirmou existir no seio da Cúria, não são uma tarefa fácil para o papa. Reconheceu isso mesmo meses depois de ser eleito durante um encontro com religiosos latino-americanos.

O argentino Jorge Mario Bergoglio, 81 anos, tornou-se no primeiro pontífice oriundo da América Latina, numa escolha considerada surpreendente, já que estava entre os cardeais mais velhos do conclave.

Sorridente, o cardeal jesuíta surgiu, a 13 de março de 2013, na varanda da basílica de São Pedro, na Cidade do Vaticano, ao som dos gritos da multidão "Longa vida ao papa!".

Francisco, o primeiro papa jesuíta, pediu "irmandade" entre os 1,2 mil milhões de católicos e rezou juntamente com a multidão na praça de São Pedro e afirmou que os cardeais "tinham ido ao fim do mundo" para o eleger.

No segundo aniversário do pontificado, Francisco, 265.º sucessor do apóstolo Pedro, declarou ter a sensação de que o pontificado podia ser breve, de quatro ou cinco anos, mas desmentiu sentir-se "só e sem apoio".

"Tenho a sensação que o meu pontificado vai ser breve. Quatro ou cinco anos. Não sei. Ou dois ou três. Dois já passaram. É uma sensação um pouco vaga que tenho, a de que o Senhor me escolheu para uma missão breve. Sobre isso, mantenho a possibilidade em aberto", afirmou o papa numa longa entrevista à cadeia de televisão mexicana Televisa.

À pergunta "gosta de ser papa?", Francisco respondeu sobriamente e sem entusiasmo excessivo: "Não me desagrada". Um ano antes tinha admitido perante milhares de jovens e professores de escolas jesuítas que não queria tornar-se no líder da Igreja Católica.

“Deus não teria abençoado alguém que quisesse, que tivesse vontade de ser papa. Eu não queria ser papa”, disse o papa.

Na mesma entrevista à cadeia de televisão mexicana sublinhou que sempre detetou viajar e que é uma pessoa caseira, contudo, em cinco anos já realizou mais de 30 deslocações internacionais, as mais recentes ao continente sul americano.

Portugal foi, em 2017, o 28.º país a receber uma visita do papa Francisco. Embora sem uma relação conhecida com o Santuário de Fátima, o papa chegou como peregrino e canonizou os pastorinhos Jacinta e Francisco Marto.

No final da visita, o papa disse que ia repetir a “mensagem de paz” de Fátima “com quem quer que fale”.

Paralelamente, vincou o seu lado inter-religioso, tendo participado na celebração dos 500 anos da reforma de Lutero, e avistou-se com lideres ortodoxos, judeus e muçulmanos.

Durante estes cinco anos de pontificado, Francisco procurou por em evidência variados temas sociais, defendendo a proteção dos idosos e das crianças, o direito a um trabalho digno, a defesa do ambiente e ainda a ajuda aos refugiados, tornando visível a mensagem social da Igreja.

Poucos meses depois da sua eleição, quando uma parte do mundo começou a conhecê-lo, Francisco anunciou qual seria sua primeira viagem e não foi para nenhum centro do cristianismo, mas para Lampedusa, centro da tragédia de migrantes no Mediterrâneo.

Nas suas últimas viagens a Myanmar (Birmânia) e Bangladesh, lidou com o drama da minoria muçulmana da Rohingya lembrando a comunidade internacional que este é um assunto que não deve ser esquecido.

Acusou o Vaticano de se centrar nele próprio e esquecer-se do resto do mundo e não fugiu dos temas em que a Igreja sempre assumiu uma postura conservadora. Simplificou os procedimentos para o reconhecimento da anulação dos casamentos católicos, afirmou-se incapaz de julgar homossexuais que procuram Deus, disse não fechar a porta ao debate sobre o fim do celibato no clero ou a ordenação de sacerdotes do sexo feminino.

Mas o sociólogo e fundador do Centro de Estudos sobre Novas Religiões, Massimo Introvigne, explicou numa entrevista recente na página "Leformiche" que, em "grandes argumentos morais como o aborto, a eutanásia ou o casamento, a Igreja nunca mudará porque são considerados princípios não negociáveis e Jorge Bergoglio, embora tenha dito pouco, mantém uma clara continuidade com seus predecessores ".

Francisco também atinge as consciências incluindo a Igreja na luta pela proteção do meio ambiente na encíclica "Laudato si", que se tornou um verdadeiro manifesto ambiental e social em todo o mundo.

Noutros textos de seu pontificado, a exortação apostólica "Evangelii Gaudium”, Francisco também apresentou a denúncia do sistema económico atual: "uma economia que mata".

"Os lucros de alguns crescem exponencialmente, os da maioria permanecem cada vez mais longe do bem-estar dessa minoria feliz" e "esse desequilíbrio social vem de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e a especulação financeira", denunciou.

Pendente tem ainda a questão da pedofilia. Francisco foi o pontífice que prometeu "tolerância zero" com pedofilia por membros do clero, mas continua a ser um problema neste pontificado tendo agora nas mãos o caso do bispo de Osorno (Chile), Juan Barros, acusado de encobrir o padre Fernando Karadima, condenado por abuso sexual de menores de idade.

Manuel Clemente: Francisco centralizou as periferias

O cardeal patriarca de Lisboa, Manuel Clemente, considera que o papa Francisco, eleito há cinco anos, centralizou as periferias, transportando o que fazia em Buenos Aires para o centro de Roma.

“Foi ele próprio que mudou para Roma e para a escala mundial, ampliando-se. O que fazia em Buenos Aires passou a fazê-lo da praça de São Pedro a muitos outros lugares, imprevisíveis até. Centralizou as periferias”, referiu Manuel Clemente, numa resposta por escrito à Lusa, sobre as mudanças introduzidos pelo papa, desde a sua eleição.

O papa Francisco, segundo o cardeal patriarca, alerta ”incessantemente para o essencial e em pontos nevrálgicos”.

“A justiça como condição para a paz, a salvaguarda da Terra de todos para todos. É em torno de pontos como estes que a união mais urge. Por isso suscita aplausos unânimes nas instâncias internacionais que o convidam ou visitam”, afirmou.

O papa, acrescenta Manuel Clemente, tem ainda ocasionado reencontros inter-religiosos e ecuménicos com larga adesão.

“Como se centra no essencial – o nosso Criador comum quer-nos solidários e fraternos – ocasiona reencontros, com larga adesão. É essa conjugação de pontos essenciais com a disponibilidade para os procurar em conjunto que faz avançar as coisas, no campo ecuménico (entre cristãos) ou inter-religioso (entre os vários credos)”, frisou.

Francisco, diferente desde a primeira hora

O padre e teólogo Anselmo Borges considera que Francisco, que celebra a 13 de março cinco anos de pontificado, foi desde a primeira hora um papa diferente, com a preocupação de tornar a Igreja próxima da humanidade.

“Chegou simples e humilde e inclinou-se perante a multidão e a partir daquele momento percebeu-se que estávamos perante um papa diferente”, disse em declarações à agência Lusa.

O papa, que escolheu chamar-se Francisco inspirado em Francisco de Assis, reúne assim qualidades jesuítas e franciscanas, o que, para o padre Anselmo Borges, não é um acaso, procurando estar com todos, mas sobretudo com “aqueles e aquelas que são os mais frágeis, os pobres e os abandonados”.

"O papa foi confirmando essa intuição que ficou desde a primeira aparição enquanto papa com o nome Francisco, esse nome indiciava algo novo. Chegou como um papa cristão, procede como Jesus procedia e é ao mesmo tempo profundamente humano", acrescentou.

Ao longo dos cinco anos, adiantou, as suas intervenções têm vincado esta perceção, tentando também que os cardeais "se tornem cristãos".

"Essa é que seria a grande revolução para o mundo", frisou o padre Anselmo Borges, autor de um livro sobre Francisco intitulado "Francisco: Desafios à Igreja e ao Mundo".

O papa, observou, tem tido um papel importante no combate aos escândalos da pedofilia, que classifica como "uma vergonha", na transparência total dos dinheiros do Vaticano e no diálogo ecuménico.

Como líder político moral global, referiu, o papa tem dado um testemunho que o coloca numa posição de um dos líderes mais amados.

Sobre a necessidade de uma reforma na Curia, o padre Anselmo Borges considera que o papa tem encontrado muita resistência e oposição.

"Ele sabe que um dos cancros da igreja é a Curia romana onde inclusivamente encontrou muita corrupção. Fez já três discursos em que criticou da maneira mais veemente a Curia romana", disse.

Jesuítas em Portugal saúdam pontificado "desinstalador" de Francisco

Os jesuítas em Portugal observam os cinco anos do pontificado do papa Francisco como um período "desinstalador", que leva a Igreja e os católicos a largarem comodismos e olharem para o mundo, por muito que haja resistências à mudança.

"Tem sido um pontificado que nos tem desinstalado e obrigado a sair do que possam ser os nossos comodismos para estarmos mais próximos da realidade das pessoas, atentos às interpretações do mundo", disse à agência Lusa o padre José Maria Brito, da Companhia de Jesus em Portugal.

O que Francisco, eleito papa a 13 de março de 2013, pediu ao mundo católico "em termos de mudança de atitudes gera resistências", admitiu, indicando que "as pessoas e as instituições têm resistências".

Mas o facto de haver contestação a Francisco "é um sinal de que o que está a pedir é necessário e urgente", contrapôs o sacerdote.

Para José Maria Brito, a coerência do papa, que desde a primeira viagem papal a Lampedusa pegou na bandeira dos refugiados, torna-o num líder de referência num "mundo com tantas divisões e lideranças olhadas com desconfiança".

O jesuíta afirmou que Francisco manifestou desde logo as suas intenções com o "tom informal" com que se dirigiu às pessoas e com a ideia que defendeu junto dos bispos de responsabilizar cada igreja e comunidade local.

"Colocar-se à escuta da realidade e parecer que dialoga com cada comunidade e cristão é um ganho da Igreja", disse ainda José Maria Brito a propósito do papa, que é igualmente proveniente da Companhia de Jesus.

Jorge Mario Bergoglio foi escolhido a 13 de março de 2013, sucedendo a Bento XVI, que renunciou devido à idade avançada.

É o primeiro papa oriundo da América Latina e também o primeiro jesuíta a tornar-se papa, o 266.º da história.

Bergoglio, que adotou o nome de Francisco, nasceu a 17 de dezembro de 1936, na capital argentina e foi ordenado a 13 de dezembro de 1969, durante os estudos na Faculdade de Teologia do colégio de São José, em São Miguel de Tucuman (norte da Argentina).