“Parece que as ilusões sobre o milagre da dívida e da consolidação dos últimos anos poderão estar a chegar ao fim”, adverte o anterior chefe do executivo português num texto de 40 páginas inserido no livro “Portugal – Alemanha Convergência e Divergências”, a que a Lusa teve acesso, e que estará em breve nas livrarias.
Pedro Passos Coelho contesta também a ideia “que vem sendo propalada” em Portugal de que a dívida europeia não terá custos para os países periféricos, considerando-a “manifestamente enganadora”.
Apesar de dissertar maioritariamente sobre as políticas europeias, o antigo primeiro-ministro deixa vários recados para Portugal, criticando sobretudo os impostos elevados que considera ser o sustentáculo da consolidação orçamental.
“A carga fiscal indireta elevada que ajuda à ilusão de ter ‘contas certas’ sem políticas restritivas acaba por ser um travão à recuperação quando as crises batem à porta” e “ainda mais em ambientes recessivos”, adverte.
O ex-líder do PSD considera que “os esforços de redução orçamental em países como Portugal continuaram a depender sobretudo do sacrifício do investimento e na concentração da ‘austeridade’ orçamental em torno de uma carga fiscal crescentemente elevada, centrada na tributação indireta”.
“Como o tempo dos juros baixos está a ficar ultrapassado com o ressurgimento da inflação, a política monetária não só não ajudará a pagar os custos de financiamento daqui para a frente, como constituirá uma fonte de pressão para que os governos também imponham políticas mais restritivas para ajudar ao controlo da inflação”, alerta.
O ex-chefe do executivo PSD-CDS insiste que “toda a dívida tem de ser paga, e esta dívida contraída nos mercados internacionais pela Comissão Europeia deverá contar com recursos próprios, que virão dos bolsos dos contribuintes de toda a União, para ser amortizada”.
“Se, por qualquer razão (relacionada por exemplo com a dificuldade de os governos virem a aceitar esses recursos próprios tal como desenhados pela Comissão Europeia, ou dificuldade simplesmente de os parlamentos nacionais os virem a ratificar) esses custos tiverem de recair diretamente sobre os meios a serem garantidos pelos Estados, então ficará claro que, independentemente de serem contribuintes ou beneficiários líquidos dos fundos europeus, serão os países a diretamente a suportar os custos do financiamento, e verificar-se-á mais uma vez a máxima económica de que ‘não há almoços grátis'”, sublinha.
Passos volta então a deixar mais um recado para o executivo português: “No caso de Portugal e dos portugueses, portanto, esses fundos serão tudo menos oferecidos (já que sempre serão pagos, direta ou indiretamente) e a ilusão de que, sendo da União, ninguém tem de os pagar ou de que serão os contribuintes dos países excedentários a suportar em exclusivo esse financiamento é tudo menos realista”.
Recordando o período da pandemia em que “foram os Estados mais endividados aqueles que menos despenderam” em medidas de apoio aos setores afetados pela crise”, o ex-primeiro-ministro indica que Portugal esteve “entre os mais condicionados no conjunto da União Monetária”.
“Apesar da retórica mais despreocupada a propósito da dívida durante alguns anos, a verdade é que a memória dos tempos da crise do euro acabou por trazer algum travão na utilização de recursos públicos no apoio à recuperação económica”, escreve.
Passos Coelho aborda também o passado para refutar a ideia de que a austeridade foi desnecessária.
“A ideia de que a crise trouxe uma ‘austeridade’ desnecessária e desumana por imposição dos credores e por falta de determinação dos devedores é outra caricatura demasiado irrealista (tanto no que respeita aos credores propriamente ditos, como relativamente a qualquer dos governos em Portugal — tanto o governo socialista que negociou o pedido de ajuda, quanto o governo que chefiei e que ajustou o memorando recebido e negociado anteriormente”, argumenta.
Quanto à posição da Alemanha nesse período, o ex-líder do executivo português escreve: “Um aliado interessado em ajudar-nos a ultrapassar as dificuldades e a vencer a crise”.
No final do texto e depois de prever o fim das ilusões do “milagre da dívida”, mostra-se expectante quanto a uma inversão de políticas ao nível europeu.
“Veremos em breve se estamos perto de um virar de página no projeto europeu, ou se simplesmente viveremos com o fim das ilusões e prosseguiremos o equilíbrio instável em que nos temos habituado a viver”, conclui.
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