A história democrática do PCP foi escrita até hoje com três secretários-gerais, desde o histórico Cunhal, o discípulo de Moscovo que viveu na clandestinidade e revitalizou um cargo que esteve 25 anos desocupado, até ao operário Jerónimo, adepto da sabedoria popular e que em 2015 apresentou a António Costa um acordo à esquerda para “afastar a direita do poder”.

Paulo Raimundo, um quadro proeminente dentro do partido, apesar de desconhecido na esfera mediática, vai escrever o próximo capítulo.

Álvaro Cunhal foi o líder que mais tempo 'durou' na posição mais elevada da estrutura do PCP, 31 anos. Foi eleito pela primeira vez em março de 1961 e ocupou uma 'cadeira' que estava vazia desde a morte de Bento Gonçalves, no Tarrafal, em 1942.

A sua sucessão concretizou-se em dois momentos. O primeiro, no congresso de Loures, em 1990, com a escolha de Carlos Carvalhas para secretário-geral adjunto.

Carvalhas, economista de profissão, tinha 46 anos na altura (a mesma idade que Paulo Raimundo tem hoje), mas não era um desconhecido: era eurodeputado do PCP e tinha alcançado um resultado histórico para o partido (12,9%) nas eleições presidenciais que o Presidente da República em exercício e recandidato Mário Soares venceu.

O 'número dois' do então secretário-geral do PCP não escondeu a surpresa: “É verdade que, no primeiro dia do congresso, estava fora do meu horizonte ser secretário-geral adjunto.”

Cunhal e Carvalhas “dividiram” o posto mais alto no PCP durante dois anos, altura em que “o Álvaro”, como ainda hoje é referido pelos “camaradas” que o conheciam, deixou a liderança do partido no congresso de Almada, Setúbal.

Na despedida foi questionado sobre o que sentia depois de abandonar um cargo que ocupou durante três décadas e que atravessou a transição entre a ditadura e a democracia. Ao Expresso deu uma curta resposta que o colou à imagem de “revolucionário profissional”: “Não sinto nada, sou um profissional.”

No congresso de 1992, Carlos Carvalhas, que era caracterizado como um “moderado” e “apaziguador”, apontou para um “caminho de renovação”, mas conheceu 12 anos conturbados, com o partido dividido entre ortodoxos, críticos, renovadores, e a reorganização do panorama geopolítico internacional com a dissolução da União Soviética.

A segunda surpresa de Carvalhas chegou perto do fim dos seus 12 anos de mandato, quando, face uma forte pressão interna da “linha operária” para o substituir, a Capital publica em manchete que o sucessor de Cunhal estava de saída. Para não alimentar tabus, Carlos Carvalhas anunciou que iria sair.

No seu discurso de despedida, no congresso de 2004, disse que era importante combater “qualquer deriva de mando, de autoritarismo ou de imposição de ideias, que por vezes ainda se manifestam”.

O metalúrgico Jerónimo de Sousa foi eleito no conclave de 2004, por maioria, com quatro abstenções, que reduziu para apenas uma nas três eleições subsequentes (2008, 2012 e 2016). Jerónimo quebrou com uma certa ortodoxia comunista que havia e o contacto que tinha com a população em iniciativas do partido e campanhas eleitorais contrastava com os antecessores.

Nos 18 anos enquanto secretário-geral do PCP ficou uma declaração na noite eleitoral de 06 de outubro de 2015, em que perante a vitória da coligação entre PSD e CDS-PP, mas uma maioria de esquerda no parlamento, afirmou: “Com este quadro, o PS tem condições para formar Governo, mas têm de perguntar ao PS.”

Foi assim que Jerónimo de Sousa abriu a porta de saída ao executivo de Pedro Passos Coelho e se lançaram as bases para a criação da “geringonça”, um acordo à esquerda entre PS, BE, PCP e PEV que vigorou até 2019.

Nos últimos anos, Jerónimo de Sousa foi deixando 'pistas' sobre a sua saída. Em 2019, em entrevista à Lusa, disse que estava dependente das “leis da vida”, aludindo à sua saúde.

Um ano depois, a sucessão de Jerónimo chegou a ser ponderada internamente no PCP, mas, a um ano das comemorações do centenário do partido, a solução passou pela sua continuação.

Durante meses, o partido e o próprio secretário-geral alimentaram a dúvida. E só em 20 de setembro, dois meses antes do congresso, admitiu, implicitamente, continuar à frente do PCP.

No congresso de Loures, em novembro de 2020, a direção comunista reeditou o seu mandato, mas pela primeira vez Jerónimo de Sousa recebeu um voto contra.

Desde 2020, nos últimos dois anos, a situação política mudou muito: a “geringonça”, o acordo à esquerda, acabou, o PS teve maioria absoluta nas legislativas e o PCP o seu pior resultado de sempre, reduzido a metade dos deputados que tinha - seis. O partido esteve debaixo de fogo por não ter condenado abertamente a invasão da Ucrânia pela Rússia.

Em setembro, na abertura da “Festa do Avante!”, Jerónimo de Sousa hesitou pela primeira vez quando foi questionado sobre a sua saída, mas acabou por não ceder à curiosidade dos jornalistas.

A 22 de outubro de 2022, em entrevista à Lusa recorreu mais uma vez à “lei da vida” e colocou em cima da mesa a sua renúncia: “Isto é quase um desabafo pessoal, os meus camaradas perdoar-me-ão, mas tive sempre esta ideia: ninguém é insubstituível.”

Quinze dias depois, a direção comunista anuncia que o secretário-geral pediu a sua substituição e que Paulo Raimundo (o mais novo de cinco dirigentes que fazem parte dos três órgãos mais restritos do partido) era o nome proposto.

Jerónimo não quis aguardar para mais um “embate político”, como gosta de os chamar, no parlamento, mas em conferência de imprensa na sede do partido, em Lisboa, disse que vai embora 18 anos depois de “consciência tranquila”: “Disse 'até amanhã' ontem [sábado] no Comité Central, mas com a convicção de que vou de consciência tranquila porque saio como entro, no plano económico e financeiro, independentemente da atribuição de esta ou daquela subvenção, que não é para mim."