“Não há nexo causal, não há culpa, não há ilicitude, afirmou José Ricardo Gonçalves, no Tribunal Judicial de Leiria, onde hoje continuaram as alegações finais do julgamento para apurar eventuais responsabilidades criminais nos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017.

Rogério Mota era responsável pelo Centro de Assistência e Manutenção da Ascendi, em Avelar (concelho de Ansião, distrito de Leiria). Cabia-lhe “providenciar pela criação e manutenção da faixa de gestão de combustível” na Estrada Nacional (EN) 236-1 e “fiscalizar a sua boa execução”.

A EN 236-1 liga Castanheira de Pera a Figueiró dos Vinhos. Foi nesta via que foi encontrada a maioria das vítimas mortais dos incêndios de Pedrógão Grande, em junho de 2017.

A subconcessão rodoviária do Pinhal Interior, que integrava esta via, estava adjudicada à Ascendi Pinhal Interior, à qual cabia proceder à gestão de combustível.

Rogério Mota responde por 34 crimes de homicídio e sete de ofensa à integridade física, cinco deles graves, todos por negligência, os mesmos crimes imputados a outros dois funcionários da Ascendi, que agiram “sem o cuidado devido, por imprevidência e imprudência, omitindo os procedimentos elementares necessários à criação/manutenção da faixa de gestão de combustível naquela via”.

Nas alegações finais, o Ministério Público (MP) pediu prisão efetiva para os três funcionários, considerando que “devem ser condenados pelos crimes de que vêm acusados em pena de prisão superior a cinco anos”.

Para o advogado, o MP “absolutamente nada provou” e os “comportamentos imputados” ao arguido Rogério Mota “não têm qualquer sentido”.

José Ricardo Gonçalves sustentou esta posição pela ausência de nexo de causalidade entre a conduta do arguido e as consequências dos incêndios, salientando que o funcionário da Ascendi cumpriu o dever geral de cuidado.

“Cumpriu o dever geral de cuidado que, normativa e contratualmente estava obrigado, cumpriu religiosamente de forma competente”, disse, vincando, à semelhança do que anteriormente alegaram outros advogados, que não estando o Plano Municipal de Defesa da Floresta Contra Incêndios de Pedrógão Grande em vigor, não havia suporte legal que definisse onde e como deveriam ser executadas as faixas de gestão de combustível.

Apesar de não haver plano, o advogado declarou que foram feitas intervenções na EN 236-1 e “sempre que havia pedidos de trabalhos a mais eles eram feitos e nunca foram recusados”.

Adiantando que o arguido fiscalizou aquela via uma semana antes dos incêndios, o causídico defendeu que o Estado, neste caso a Infraestruturas de Portugal (IP), “não seria uma pessoa de bem se não fiscalizasse a parte da gestão do combustível e fiscalizasse apenas” no âmbito rodoviário.

José Ricardo Gonçalves acrescentou que, após a subconcessão da via, a Ascendi continuou a adotar os mesmos procedimentos que a IP tinha à data e “até foi mais longe”, executando cinco metros de faixa de gestão de combustível.

Em causa neste julgamento estão crimes de homicídio por negligência e ofensa à integridade física por negligência, alguns dos quais graves. No processo, o Ministério Público contabilizou 63 mortos e 44 feridos quiseram procedimento criminal.

Os arguidos são o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pedrógão Grande, Augusto Arnaut, então responsável pelas operações de socorro, dois funcionários da antiga EDP Distribuição (atual E-REDES) e três da Ascendi, e os ex-presidentes das Câmaras de Castanheira de Pera e de Pedrógão Grande, Fernando Lopes e Valdemar Alves, respetivamente.

O presidente da Câmara de Figueiró dos Vinhos, Jorge Abreu, também foi acusado, assim como o antigo vice-presidente da Câmara de Pedrógão Grande José Graça e a então responsável pelo Gabinete Florestal deste município, Margarida Gonçalves.

As alegações finais continuam na terça-feira.