No sul da serra da Lousã e nas encostas do Pinhal Interior Norte, vivem muitos estrangeiros que escolheram Portugal para viver, seja para gozarem a reforma seja para iniciarem negócios.
"Eu comprei este lugar há cinco anos e estou aqui permanentemente desde dezembro", diz Malcolm McDonnel, 66 anos, de Aberdeen, na Escócia.
"Este lugar comprei-o do Ebay", disse, apontando para a casa na aldeia das Amieiras, Figueiró dos Vinhos, a meia encosta do fogo que lavrou domingo e segunda-feira vindo de Pedrógão Grande.
Escolheu aquela zona do país pela paisagem, mas também "por causa das pessoas, especialmente nesta aldeia, que são excelentes".
Engenheiro, proprietário de uma empresa de consultoria, escolheu Portugal para descansar e, por estes dias, sentiu de perto o fogo.
"Não senti muito medo", mas "estávamos prontos para sair se o vento mudasse", coisa que não aconteceu. Como prevenção, colocou "os aspersores em redor da casa" e planeava deixá-los ligados para proteger a casa.
"O fogo não deve ser uma surpresa num sítio com este clima", mas "é preciso termos as coisas limpas e preparadas para lidar com ele", explicou.
Na noite de domingo, "estivemos com uma cerveja na mão a vigiar o fogo do lado da encosta", recorda, minimizando o impacto das imagens das chamas na procura do país por estrangeiros.
"Isso pode desencorajar as pessoas para virem durante um período", mas "Portugal é um sítio excelente", diz, sorrindo.
Benjamin Thoabuan, 41 anos, veio de Londres para iniciar um projeto de turismo rural na localidade de Mó Pequena há três anos. No domingo, teve de fugir porque já não tinha eletricidade ou água em casa.
Hoje, passa os dias na vila de Pedrógão Grande à espera de poder voltar e recusa voltar a Londres. Pedrógão Grande é "um sítio maravilhoso, pacífico e as pessoas são maravilhosas", diz.
"É uma boa comunidade e sentimo-nos parte dela", "tivemos amigos que morreram", mas "nós sobrevivemos ao fogo e outros não conseguiram".
Apesar do "tempo muito stressante" que vivem, Ben recusa deixar Portugal: "Não, não vamos embora, não vamos sair, vamos continuar e fortes".
A mulher, Susan, explica: "O sentimento de comunidade é muito importante. O povo português tem um sentimento de comunidade muito forte" e é isso que os prende à terra adotiva.
Por estes dias, os bombeiros estão preocupados com os reacendimentos e a contabilizar os danos. Ben e Susan esperam não ter mais notícias negativas, mas alertam para o risco de se encontrarem novos corpos nas florestas.
"Estamos preocupados com um grupo que conhecemos: são hippies e são viajantes" que vivem em tendas no meio da mata. "Não têm uma casa e estão cá só há duas semanas", na zona da Graça, Pedrógão Grande, explica Ben.
Ronny, há quatro anos a viver com a mulher, inglesa, na pequena aldeia de Ouzenda, perto da barragem do Cabril e do Zêzere, assume o gosto de residir na zona, poucos quilómetros a nordeste de Pedrógão Grande.
O irlandês destaca a hospitalidade e a companhia dos vizinhos, que se se tornaram amigos para a vida, mas garante que nunca viveu um incêndio desta dimensão.
"Na Irlanda não há nada disto. Viver aqui é como viver no paraíso, mas nos últimos dias tem sido um sonho mau do qual ainda não conseguimos acordar", disse o reformado.
Ronny saiu hoje da aldeia onde vive escoltado pela GNR, que evacuou a zona por causa de um incêndio, e aguarda por regressar na esplanada de um café na localidade de Picha, junto à Estrada Nacional 8.
Apenas vestido com uma camisa, calções e pés descalços - "como sempre ando na aldeia" - espera que o deixem regressar a casa.
Na segunda-feira, com o vento a girar violentamente e o fumo que envolve desde sábado a zona de Pedrógão Grande, dormiu fora de casa, no carro, a pedido da mulher que estava "muito nervosa por ficar na aldeia".
"Mas hoje quero lá ficar, tenho lá os meus vizinhos. A minha vizinha não tem carta (de condução) e eu sou o motorista dela. Somos uma comunidade pequena e ajudamo-nos uns aos outros", diz o irlandês, que encontrou aos 73 anos uma nova família na pequena aldeia.
Mais a sul, Thereza Rinnie vive com medo do incêndio, mas relativiza os riscos. Há algumas semanas, aquando do atentado em Londres, ligou para o filho que vive na capital inglesa agora a perguntar-lhe se estava bem, recomendando-lhe que deixasse a cidade e viesse viver num país que "parece a Escócia, mas com sol".
Agora foi a vez dele. "Ligou-me a perguntar como eu estava e se não queria sair daqui. Não é irónico?".
"Já não há sítios seguros, seja de um modo ou outro. Mas aqui são só incêndios", diz.
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