Os grandes incêndios de 2017, que provocaram pelo menos 115 mortos, deram um novo fôlego ao debate sobre os territórios de baixa densidade. Na região afetada pelo incêndio de Pedrógão Grande, os concelhos mais afetados (Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos) lideram no despovoamento, envelhecimento e baixo poder de compra do distrito de Leiria, e os orçamentos municipais estão presos à despesa corrente e há pouca iniciativa privada.
Especialistas em ordenamento e políticas locais contactados pela agência Lusa consideram que é necessário introduzir medidas a nível da administração local, seja através da reestruturação das autarquias e sua possível fusão, uma intermunicipalização de proximidade, um aumento das dotações para estes municípios ou libertá-los de algumas competências que lhes estão atribuídas.
Caso nada seja feito, alertam, os territórios vão perder população a um ritmo cada vez maior e tornar-se-ão, mais tarde ou mais cedo, insustentáveis.
O especialista em Direito das Autarquias Locais, António Cândido de Oliveira, que no passado defendeu a extinção de municípios com menos de cinco mil habitantes, considera que a fusão de autarquias pode ser uma resposta, mas não a única, e que, a avançar, seria necessário "um estudo que não está feito".
No entanto, atendendo às características dos três municípios mais afetados pelo grande fogo de Pedrógão Grande - juntos teriam uma dimensão territorial inferior à média nacional (300 quilómetros quadrados) -, uma fusão ou uma junção de meios parece ter "perfeito cabimento".
"Pode não ser uma fusão, mas a solução passar por um meio intermédio, com uma cooperação obrigatória", para garantir escala em termos de investimento - algo que falta a este tipo de municípios.
Um município com menos de 10 mil habitantes "não tem capacidade para desempenhar as suas funções", frisou, considerando que hoje se pedem tarefas a municípios muito pequenos que "exigem grande complexidade técnica, como o urbanismo, as vias de comunicação ou o saneamento, e precisam de pessoal qualificado que não têm nem podem ter".
Em declarações à agência Lusa, o especialista em desenvolvimento rural António Covas tece um diagnóstico crítico e considera que o país é "bipolar" - "excesso de centralismo e excesso de localismo".
Tem por isso de haver discussão em torno de políticas de regionalização e uma abordagem "experimentalista", em que se possam implementar projetos-piloto e testando vários modelos de atribuições e competências, com a criação de "uniões de municípios, de baixo para cima, voluntariamente", através de um sistema de incentivos, responde.
"Assim, teríamos reforçado os níveis intermédios (sub-regional e regional) com uma massa crítica de atribuições, competências e meios financeiros", afirma.
Se nada for feito, grande parte do Interior será transformado em "municípios-lar".
Já o coordenador do CeNTER - Redes e Comunidades para a Inovação Territorial da Universidade de Aveiro, Filipe Teles, considera que a fusão não será "a resposta mais adequada".
Também o especialista em ordenamento do território da Universidade de Lisboa José Manuel Simões entende que um rearranjo administrativo poderia significar "perder mais instituições e elites, que é o que tem acontecido, com a concentração de serviços".
No entanto, mais investimento por si só também não é a solução, argumentam os dois investigadores, sublinhando que isso nem sempre significa resultados em termos de fixação de pessoas.
José Manuel Simões aponta para o caso de Idanha-a-Nova, que fez "enormes investimentos" no passado, com um centro de saúde novo, um polo do ensino superior, um complexo de piscinas e um centro cultural, para além de investimentos de privados, nomeadamente no turismo.
Apesar de todo o investimento, o concelho tem um índice de envelhecimento "terrível" e todos os anos perde população. "Nós ficamos a pensar nestas decisões: criaram-se ali todas as condições e continua a haver um problema enorme de fixação e atração de empresas", afirmou à Lusa o investigador da Universidade de Lisboa.
Para Filipe Teles, terá de haver uma "reforma significativa da administração local", considerando que havendo territórios diferentes deverá também existir "modelos diferentes".
"As competências das áreas mais urbanas do litoral poderão ser diferentes das competências de territórios de baixa densidade", notou.
Se no caso dos municípios de Pedrógão Grande e Castanheira de Pera a população de cada concelho é um décimo da média nacional das autarquias não lhes pode ser exigido o mesmo tipo de atuação, vincou.
De acordo com Filipe Teles, "algumas competências podem ser passadas para uma escala intermunicipal ou regional".
Se o Interior vai continuar a perder pessoas "independentemente dos investimentos" - até porque o litoral também está a perder - e se as políticas, mesmo em cenários otimistas, apenas mitigam "um final que é esperado", é necessário começar a preparar o território para novos desafios, sublinha.
"Se não vamos conseguir resolver de todo as questões demográficas, importa preparar os territórios para outras questões como as alterações climáticas, as mudanças de usos dos territórios, as políticas de água e de energia", defendeu Filipe Teles.
José Manuel Simões considera que é difícil hoje mudar o rumo, até pelo "passivo muito grande de inação e abandono sucessivo" do Interior.
O problema do Interior assume-se como uma bola de neve, um problema que vai sendo adensado pelo despovoamento, pelo envelhecimento, pela falta de investimento da administração local e central. A bola de neve acaba por crescer ao somar a falta de iniciativa privada, a ausência de massa crítica, a ausência de dinâmicas locais. Enquanto o problema não se resolve, tudo contribui para aumentar a bola de neve, que desce a montanha a grande velocidade.
"Fechamos o país? Não podemos", afirma José Manuel Simões, considerando que não é possível dizer às pessoas "fechem isso e vai ser um parque natural".
Mas, até um parque natural, sublinha, precisa de "pessoas para ser atrativo".
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