Por: Ana Mendes Henriques da agência Lusa

Os primeiros dias de trabalho de campo, depois de um inverno dedicado à publicação de artigos científicos, superaram as expectativas dos exploradores.

Segundo o paleontólogo Silvério Figueiredo, presidente do Centro Português de Geo-História e Pré-História, as pegadas de crocodilo agora descobertas são mais raras do que as de dinossauro.

"Encontrámos algumas pegadas de crocodilo, além das de dinossauro (...), talvez mais importantes do que as dos dinossauros, uma vez que pegadas de dinossauro existem bastantes em Portugal. Pegadas de crocodilos contemporâneos dos dinossauros já existem menos, assim em dois, três sítios, no máximo, identificadas em Portugal e não deste período. Existem do Jurássico. Do Cretácico, estas serão provavelmente as primeiras a serem identificadas", avançou o investigador à agência Lusa.

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA
créditos: © 2021 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

A equipa de Silvério Figueiredo, professor no Instituto Politécnico de Tomar e autor de várias publicações sobre dinossauros, inclui outros especialistas, como o geólogo Pedro Proença e Cunha, da Universidade de Coimbra, que acompanha os trabalhos no terreno.

Nas falésias do Cabo Espichel, procuram identificar, em formações do Cretácico Inferior, vestígios da vida há cerca de 129 milhões de anos, tendo já encontrado novas pegadas de dinossauro e de outros animais.

"Vamos tentar identificar trilhos, medir os trilhos para saber algum comportamento que eles tinham, nomeadamente a direção. Temos marcas que nos indicam que provavelmente o crocodilo estava nadar e vamos também orientá-las, saber qual era a orientação, para depois fazer um estudo para saber de onde é que eles vinham, para onde iam, bem como depois os estudos sedimentares e estratigráficos, feitos pelo colega Pedro Proença Cunha, para sabermos os ambientes e essas questões que nos ajudam depois a caracterizar melhor o sítio", indicou Silvério Figueiredo.

Lado a lado com as pegadas de crocodilo, são visíveis pegadas de dinossauro, o que não significa que os animais tenham coexistido. A passagem das diferentes espécies pelo mesmo local pode estar separada por séculos ou mesmo milénios, de acordo com o investigador.

"Pensamos que, se não todas, pelo menos a maioria das pegadas dos dinossáurios terão sido feitas numa camada superior e que depois deformou esta em que estavam as pegadas do crocodilo. Terão sido feitas em momentos diferentes", admitiu.

Nos próximos dias, esperam continuar a encontrar pegadas de dinossauro, ossos e dentes daqueles animais, de antepassados dos atuais crocodilos, de pterossauros e outros restos de fauna, como tem vindo a acontecer.

Os investigadores - que trabalham naquela zona desde 1998 - são acompanhados nesta fase por um grupo de jovens do programa Ciência Viva.

Afonso Dias, aluno do 11.º ano na área de Ciências, foi o primeiro a ver as marcas de crocodilo gravadas na rocha.

Limpava o campo com os colegas quando, no primeiro dia de trabalhos, se deparou com os orifícios que corresponderão às garras do crocodilo pré-histórico.

"Fomos tirando a terra e depois notei estas quatro marcas. Veem-se muito bem. Perguntei ao professor Silvério o que é que poderia ser. Ao início, o professor Silvério achou que podia ser de pterossauro, mas depois disse-nos a todos que podia ser de crocodilo e começamos a encontrar muitas mais ao longo do tempo, como se pode ver, estas aqui e outras espalhadas por esta zona", mostrou o jovem, fã de Parque Jurássico, de Steven Spielberg, e de visitas de museus como o da História Natural, em Lisboa, onde se encontra uma vasta amostra do que foram aqueles animais pré-históricos.

JOSÉ SENA GOULÃO/LUSA créditos: © 2021 LUSA - Agência de Notícias de Portugal, S.A.

Junto ao mar, numa anterior fase de prospeção, cujos resultados foram anunciados no início do ano, foram identificadas 614 pegadas de dinossauro, uma quantidade considerada rara numa área de "poucos metros quadrados".

O projeto inclui elementos de outras instituições, como o Geopark Naturtejo e colaboradores estrangeiros, da Universidade do Rio de Janeiro, especialistas do País Basco e de França.

O trabalho de campo e análises posteriores mais detalhadas permitem "aferir algumas informações acerca do comportamento dos dinossauros e da própria forma como as pegadas se formaram", explicou Silvério Figueiredo.

Câmara de Sesimbra planeia congresso internacional de paleontologia

A Câmara Municipal de Sesimbra pretende realizar em outubro um congresso internacional de paleontologia, no qual estarão em debate as mais recentes descobertas feitas na zona do Cabo Espichel, disse à Lusa a vice-presidente da autarquia, Felícia Costa.

De acordo com a autarca, que detém o pelouro da Cultura, a confirmação da data está apenas dependente das condições sanitárias associadas à pandemia de covid-19, mas o objetivo é que seja pelo menos um congresso ibérico

"Não foi possível fazê-lo antes, até porque as condições sanitárias da pandemia não nos permitiram, mas em outubro esperamos que as condições estejam melhores do que estão neste momento", afirmou a vereadora.

A intenção é organizar um congresso focado nas pegadas de dinossauros já documentadas e inseridas nos circuitos visitáveis do município (Pedreira do Avelino, Mua e Lagosteiros) e debater as mais recentes descobertas.

"Já havia alguns registos em termos destas pegadas, não no seu conjunto total, mas pelo menos alguns vestígios deste conjunto grande de cerca de 600 pegadas que foram agora reveladas", indicou Felícia Costa.

"Já não era de todo desconhecida essa passagem dos dinossauros pelo nosso território e nesse congresso obviamente que toda esta informação que temos aqui presente na pedra será debatida, será debatida pela Academia, será validada e, portanto, integrará não só o geocircuito, mas também todas as nossas publicações que pretendem fazer esta divulgação", avançou.

A presença dos dinossauros na região está associada a uma lenda que durante gerações perpetuou a ideia de que as marcas gravadas nas escarpas do Cabo Espichel seriam pegadas de uma mula (mua) responsável por um milagroso salvamento, da Senhora do Cabo.

A história está ilustrada nos azulejos setecentistas da Ermida da Memória e contada nos painéis informativos ali colocados: "A lenda relata o sonho de dois idosos, que viram a Santa ser carregada por uma mula branca subindo a falésia e marcando o trilho com os seus cascos".

O trilho foi mais tarde identificado como sendo de dinossáurios saurópodes do Jurássico Superior e está hoje classificado como Monumento Natural.

Sesimbra tem no património natural e científico uma mais valia para o turismo e para a investigação. De acordo com a responsável autárquica, o município é frequentemente procurado por investigadores estrangeiros.

No congresso que pretende realizar, o objetivo da autarquia é partilhar experiências com especialistas de outros países.

"Neste momento estamos a pensar num congresso internacional, vamos ver se as condições nos permitirão, até porque Sesimbra tem três destes vestígios paleontológicos, mas sabemos que na Península Ibérica há muitos outros, portanto a nossa intenção era fazer por mais que não seja um congresso ibérico. Vamos ver se conseguimos. Todos os dias as novidades são diferentes, obrigam-nos a fazer recuos em relação àquilo que projetamos, sobretudo no que diz respeito a congressos e a aglomeração de pessoas, mas a nossa intenção era fazer um congresso que fosse além das fronteiras nacionais", assumiu a responsável municipal.