A imprensa norte-americana avançou, na semana passada, a possibilidade de a viagem à Ásia da presidente da Câmara dos Representantes norte-americana, Nancy Pelosi, passar por Taiwan, sendo que tanto representantes militares como civis chineses alertaram para as possíveis consequências desta visita.

Primeiro não havia certezas, mas hoje foi o dia: Pelosi aterrou em Taiwan — e há muito para contar sobre esta história, já que esta é a primeira visita de um presidente da câmara baixa do parlamento norte-americano a Taiwan desde 1997, quando o republicano Newt Gingrich visitou a ilha.

Historicamente, o que está em causa?

China e Taiwan vivem como dois territórios autónomos desde 1949, altura em que o antigo governo nacionalista chinês se refugiou na ilha, depois da derrota na guerra civil frente aos comunistas.

A China reivindica Taiwan como uma província separatista a ser reunificada pela força, caso seja necessário, e opõe-se a qualquer atividade da ilha enquanto entidade política independente.

As relações entre Taipé e Pequim estão mais tensas desde a eleição da atual chefe de Estado do território, Tsai Ing-wen, em 2016, que considera a ilha um Estado soberano e que não faz parte da China. Mas, apesar deste diferendo, Taipé e Pequim estão ligados por fortes relações comerciais e de investimento.

Por sua vez, Taiwan, com quem o país norte-americano não mantém relações oficiais, é uma das principais fontes de conflito entre a China e os EUA, principalmente porque Washington é o principal fornecedor de armas de Taiwan e seria o seu maior aliado militar em caso de conflito com o gigante asiático.

Como está atualmente a questão das armas? 

O Ministério da Defesa chinês declarou em abril a sua oposição à venda pelos Estados Unidos de equipamento militar, no valor de 95 milhões de dólares (87 milhões de euros) a Taiwan, que inclui assistência material e técnica para o sistema de mísseis de defesa Patriot da ilha.

Por outro lado, o Ministério da Defesa de Taiwan disse estar satisfeito com o negócio, que “vai ajudar a ilha a proteger-se da contínua expansão e provocação militar de Pequim”.

Com isto, o porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China acusou as autoridades da ilha de “confiarem nos Estados Unidos para procurarem a independência” e o governo dos EUA de “usar a ilha para conter a China”.

Quando é que a viagem de Pelosi se tornou um tema?

O clima de tensão entre os Estados Unidos e a China aumentou ao longo das últimas semanas devido a informações que davam conta que Pelosi iria deslocar-se a Taiwan.

Na quinta-feira passada, durante uma conversa telefónica de mais de duas horas com o seu homólogo norte-americano Joe Biden, o Presidente da China, Xi Jinping, terá avisado o líder da Casa Branca para não “brincar com o fogo” em relação a Taiwan.

Assim, nos últimos tempos, o Governo chinês tem vindo a alertar que responderá com “medidas fortes”, uma vez que Pequim vê esta viagem como uma provocação.

O porta-voz do ministério dos Negócios Estrangeiros, Zhao Lijian, alertou em abril que uma eventual visita de Pelosi “prejudicaria a base das relações China — EUA” e “enviaria sinais errados aos separatistas” em Taiwan.

A Câmara dos Representantes dos EUA “faz parte do governo dos EUA” e, portanto, “deve aderir estritamente ao princípio de ‘uma China’ defendido pelos EUA”, explicou Zhao na altura.

Como tem sido vista esta viagem? 

  • A visita de Pelosi tem sido vista como uma "provocação" e “perigosa”, de acordo com o embaixador chinês na ONU, Zhang Hun. "Se os Estados Unidos insistem em fazer a visita, a China tomará medidas firmes e fortes para salvaguardar nossa soberania e integridade territorial", acrescentou;
  • A Rússia também repudiou a visita da diplomata ao acusar o governo dos Estados Unidos de "desestabilizar o mundo" e provocar tensões a respeito de Taiwan. "Washington desestabiliza o mundo. Nem um único conflito solucionado nas últimas décadas, mas muitos provocados", afirmou na rede Telegram a porta-voz do ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova;
  • Por sua vez, a Casa Branca defende que a presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos, Nancy Pelosi, tem o "direito" de visitar Taiwan. "Não há motivo para que Pequim transforme uma possível visita, coerente com a política americana há tempos, em uma crise", declarou o porta-voz do Conselho de Segurança Nacional da Casa Branca, John Kirby.

O que aconteceu na chegada a Taiwan?

A líder do Congresso norte-americano aterrou cerca das 15:43 (hora de Lisboa) em Taiwan. Antes disso, “caças Su-35 chineses começaram a cruzar o estreito de Taiwan”, que separa a China continental da ilha reivindicada por Pequim, assim que o avião de Pelosi começou a descer para aterrar.

Já hoje de manhã, a agência de notícias de Taiwan CNA informou que um navio contratorpedeiro, várias fragatas e navios de telecomunicações da Marinha de Guerra chinesa estavam a caminho da ilha de Lanyu, no sudeste de Taiwan.

Também os Estados Unidos mobilizaram porta-aviões próximos do estreito de Taiwan e estão em estado de alerta.

Entretanto, vídeos divulgados na rede social Twitter mostram alegadas sirenes de defesa a serem acionadas em Pequim e na região de Fujian, na China, após a entrada de avião de Pelosi no espaço aéreo de Taiwan, registado pela página de internet especializada em trajetos de aviões Flightradar24.

O que disse Nancy Pelosi à chegada? 

Num comunicado publicado pouco após a sua aterragem na ilha, Pelosi e os membros da delegação do Congresso sublinham que a visita “honra o inabalável compromisso no apoio à vibrante democracia em Taiwan”, e asseguram que “não contradiz a política de longa data dos Estados Unidos”, baseada em acordos estabelecidos com Taiwan e a China.

Neste contexto, a delegação reafirma que Washington “continuará a opor-se aos esforços unilaterais para alterar o ‘status quo’”.

O texto indica ainda que este périplo à região do Indo-Pacífico, que inclui Singapura, Malásia - já visitadas -, e ainda a Coreia do Sul e Japão – é centrado na “segurança mútua, parceria económica e governança democrática”, e precisa que as conversações com os líderes de Taiwan se vão centrar na “reafirmação do apoio" ao parceiro e à promoção dos interesses comuns, "incluindo a promoção de uma região do Indo-Pacífico aberta”.

Na primeira visita oficial ao território de algum líder da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos em 25 anos, sublinha-se no texto que “a solidariedade da América com os 23 milhões de habitantes de Taiwan é hoje mais importante que nunca, e quando o mundo enfrenta a escolha entre autocracia e democracia”.

Como está a reagir a China?

Num comunicado divulgado pela agência noticiosa oficial Xinhua, o Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês afirma condenar veementemente a visita de Pelosi, que “desconsiderou as severas advertências” de Pequim, e “envia sinais errados” às “forças separatistas que procuram a independência de Taiwan”.

“[A visita] é uma grave violação ao princípio de uma só China. […] Tem um grande impacto nas relações políticas entre a China e os Estados Unidos e infringe gravemente a soberania e a integridade territorial da China, prejudicando gravemente a paz e a estabilidade em todo o estreito de Taiwan”, lê-se no comunicado, que adianta que Pequim já apresentou “fortes protestos” contra os EUA.

“Há apenas uma China no mundo. Taiwan é uma parte inalienável do território da China, e o Governo da República Popular da China é o único governo legal que representa toda a China. Isso foi claramente reconhecido pela Resolução 2758 da Assembleia Geral das Nações Unidas de 1971”, argumenta-se no comunicado.

Por outro lado, a Xinhua noticiou também que o exército chinês vai realizar entre quinta-feira e domingo exercícios navais militares, que incluem fogo real, em seis áreas marítimas em redor da ilha de Taiwan.