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O Presidente da República, o presidente da Assembleia da República, o primeiro-ministro e representantes dos partidos estiveram reunidos com peritos de saúde pública de várias instituições para uma análise da evolução da pandemia da covid-19 no país.
A vigésima reunião de peritos ocorreu na semana em que o Governo vai decidir se Portugal avança para a quarta e última fase do plano de desconfinamento, que está prevista iniciar-se a 3 de maio.
Na terça-feira, o primeiro-ministro disse ter a "esperança" de que o país possa dar, na próxima semana, o "passo que falta" no processo a "conta gotas" de reabertura da atividade económica e social após o confinamento motivado pela covid-19.
E isto foi o que disseram os intervenientes na reunião de hoje.
"Um bom sinal". Incidência a 14 dias estabilizou
- André Peralta Santos, da Direção-Geral da Saúde, começou a reunião com uma apresentação sobre a situação epidemiológica no país. "Nas últimas duas semanas houve uma tendência essencialmente estável da incidência cumulativa a 14 dias, o que é um bom sinal", começou por dizer;
- No que diz respeito à dispersão geográfica, "há alguma heterogeneidade, com alguns concelhos com incidência superior a 120 casos por 100 mil habitantes". Na passada reunião existiam 22 concelhos nesta situação e, esta semana, os dados apontam para 37 concelhos, o que corresponde a 1,1 milhões de habitantes. "Apesar deste crescimento dos concelhos e da população afetada, aquilo que se observa é que nos grandes centros urbanos há uma ligeira tendência decrescente, que estabiliza a incidência nacional", explicou;
- "Na última semana, pela densidade populacional e pelo número de habitantes, o crescimento na zona de Paredes, Paços de Ferreira e Penafiel causa alguma preocupação", apontou. Contudo, "há inversão de tendência no município de Odemira";
- Olhando para o gráfico da pandemia, verifica-se que "a incidência em relação ao pico é muito menor, cerca de 10 vezes menor";
- Quanto às faixas etárias mais afetadas, o grupo dos 10 aos 39 anos apresenta uma maior incidência — mas com um "curso de doença relativamente benigno —, enquanto os mais idosos (+ 80 anos) apresentam uma tendência decrescente de contágios, sendo o grupo mais protegido neste momento. De uma maneira geral, "todos os grupos etários estão abaixo da incidência com que começámos a 15 de março, exceto o grupo dos 10 aos 20, que está ligeiramente acima";
- Analisando a situação pandémica por zonas, o Algarve apresenta uma tendência descendente e a região Norte apresenta uma tendência crescente, apesar de ainda abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes;
- Foi também referido que "as hospitalizações apresentam uma tendência ligeiramente decrescente e a ocupação em unidade de cuidados intensivos baixou das 100 camas ocupadas, o que é manifestamente positivo". Há um decréscimo de internamento de pessoas internadas com mais de 80 anos, havendo maior ocupação em UCI no grupo dos 50 aos 79. Em relação ao pico, estes são valores muito inferiores;
- Sobre a mortalidade, André Peralta Santos referiu que o país regista 5 mortos por 1 milhão de habitantes, abaixo do limiar apontado como referência, o que representa uma tendência decrescente;
- Verificou-se também um aumento da testagem em Portugal, entre 19 de março e 25 de abril, especialmente nos concelhos com maior incidência. Além disso, a positividade no país está abaixo do indicador dos 4%, "o que é também muito positivo".
"Apenas a região Norte apresenta um R(t) acima de 1"
- Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA), começou a sua intervenção por fazer o ponto de situação quanto à evolução da incidência e transmissibilidade do vírus SARS-CoV-2. "Observou-se um decréscimo da transmissibilidade, um R(t) que se estima agora próximo de 1, o que reflete uma tendência constante da incidência";
- Para os últimos cinco dias é estimando um R(t) de 0,99 — na última reunião do Infarmed este valor era de 1,05 — e o número médio de novos casos por dia "também apresenta um decréscimo". Assim, "muito dificilmente iremos evoluir em qualquer uma das direções, mas se o fizermos é numa tendência decrescente muito ligeira";
- A nível regional, "apenas a região Norte apresenta um R(t) acima de 1, mantendo uma taxa de incidência abaixo dos 120 casos por 100 mil habitantes", tal como todas as outras regiões;
- Verifica-se que atualmente "a situação a nível europeu melhorou, o número de países com R(t) abaixo de 1 é maior e Portugal, ao contrário do que se projetava na última reunião, não manteve este padrão de aumento de incidência e o R(t) acima de 1, mas estabilizou ligeiramente". Assim, o nosso país tem uma posição "muito semelhante à da Finlândia e do Reino Unido";
- Quanto à mobilidade, há um aumento a nível europeu, que Portugal acompanha "pela abertura e levantamento das medidas de contenção".
Chegou a variante indiana, mas não há sinais para alarme
- João Paulo Gomes, também do INSA, fez a atualização da vigilância das variantes do vírus no país, referindo que Portugal já tem seis casos da variante indiana, a mais recente do coronavírus. Os casos detetados são todos na região de Lisboa e Vale do Tejo e até ao momento é desconhecida a disseminação desta variante no país;
- Garantindo que não há sinais para alarme, João Paulo Gomes criticou a designação de "duplo mutante" que surgiu para apelidar esta nova variante indiana, uma vez que "comparando com o vírus chinês estamos a falar de 15 ou 20 mutações, mas tem duas de grande importância". Também as variantes de Manaus e de África do Sul têm mais mutações e "nunca ninguém as chamou assim";
- Quanto à variante britânica, esta representa 89% dos casos em Portugal, embora os dados sejam "parciais". Já a do Brasil, associada a Manaus, foi responsável por 44 novos casos de covid-19 (num total de 73 casos), enquanto a variante da África do Sul deu origem a 11 novos casos nas últimas duas semanas (total de 64 no país);
- Os casos que derivam de variantes estrangeiras são "o reflexo da abertura de fronteiras, não só em Portugal mas por toda a Europa", pelo que "as variantes de maior preocupação que circulam nos países começarão também a circular em todos os outros";
- João Paulo Gomes lembrou também que, conforme se vai caminhando para um maior número de casos no mundo, é normal que se chegue à chamada "imunidade de grupo", devido ao maior número de infetados e de pessoas vacinadas, já que têm anticorpos capazes de combater a covid-19;
- "O vírus está a lidar com uma população cada vez mais imune e é expectável que apenas os vírus que surjam com mutações [sejam] capazes de, de alguma forma, ludibriar o nosso sistema imunitário", passando "a ser as tais variantes de preocupação", lembrou;
- No que diz respeito às vacinas, "não há qualquer evidência que tenham qualquer problema" no combate a estas variantes estrangeiras. "As vacinas estão a portar-se muitíssimo bem, a nível de doença grave eliminam completamente esse problema".
Morre-se cinco vezes menos do que no início da pandemia
- Henrique de Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, fez uma apresentação sobre a vacinação, as variantes genéticas e a mortalidade, apresentando aquilo a que chamou o volume II dos "Diários da Pandemia";
- Segundo o especialista, a probabilidade de um doente morrer por covid-19 baixou em Portugal de 4%, nos primeiros dois meses da pandemia, para 0,5%. A redução da probabilidade de morrer por covid-19 explicase com a testagem, que é agora muito maior, "quando no início apenas se identificavam os casos mais graves", mas também com os efeitos da aprendizagem na capacidade de resposta à doença;
- Contudo, há outros fatores que ainda não se conseguem controlar e, por isso, a letalidade subiu em janeiro e fevereiro. Por exemplo, as variantes genéticas do vírus podem modificar o risco de morrer, mas a informação ainda é escassa. Por esse motivo, a monitorização deve ser cuidada e continuada;
- Tomando como ponto o mês de abril, adiantou ainda que a probabilidade de a infeção ter um desfecho fatal, nas condições atuais, é cerca de cinco vezes mais baixo do que no início da pandemia e globalmente metade do risco do que foi ao longo do ano;
- O especialista apresentou dados referentes a uma amostra de 200.000 voluntários, sublinhando que das respostas obtidas se conclui que 90% das pessoas querem ser vacinadas e que a percentagem maior se centra na faixa etária dos mais velhos (mais de 79 anos) e a mais baixa no intervalo dos 40-49 anos de idade. Disse ainda que as pessoas com mais rendimentos e maior educação formal "tendem a ser as que mais pretendem ser vacinadas" e que as que têm menores rendimentos parecem menos interessadas no processo de vacinação;
- Ainda sobre a probabilidade de morrer com a infeção, disse que é maior nos homens e que tem uma "variabilidade regional". Como exemplo, disse que quem se infeta na região da Madeira tem risco menor de letalidade: "Era importante estudar o porquê de tudo isto", afirmou;
- Disse também que o risco de morrer está igualmente associado às diferentes variantes do vírus, que ser infetado com a variante que teve origem no Reino Unido aumenta risco de morrer com covid-19, tal como com a variante sul africana. Sobre a variante brasileira associada a Manaus, disse que ainda não foi associada a casos de morte em Portugal;
- A este respeito, o epidemiologista sublinhou "a necessidade de vigilância epidemiológica muito organizada e muito capaz" de cruzar as pessoas que se infetam, as características do agente (vírus) e contexto em que ocorre a infeção;
- Mesmo com as variantes mais letais e potencialmente mais transmissíveis, como a presença massiva da variante do Reino Unido, "é possível com medidas de proteção e vacinação garantir que, em setembro, se tudo correr normalmente, esperamos não ter casos [de morte]".
O regresso da confiança nos serviços de saúde
- Carla Nunes, da Escola Nacional de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa, falou sobre as perceções sociais da pandemia e sobre as áreas críticas no país, realçando que estas dizem respeito a um período específico no tempo e que estes dados têm de ser cruzados com outros indicadores epidemiológicos;
- Olhando para o país, na última semana, verifica-se que as áreas que estão "em pior estado" são Odemira e Paredes. Por outro lado, os concelhos de Amares, Évora, Góis, Sabugal e Sardoal tiveram descidas mais rápidas;
- Carla Nunes destacou a evolução positiva dos cidadãos no recurso às consultas na primeira quinzena de abril, com apenas 10,4% das pessoas a indicar a decisão de não ir a uma consulta, por oposição a 24,5% entre 23 de janeiro e 05 de fevereiro;
- Igualmente em alta está a perceção da segurança e da eficácia das vacinas, já que 87,6% dos inquiridos consideram as vacinas seguras ou totalmente seguras, enquanto 89,9% consideram as vacinas eficazes ou totalmente eficazes;
- No que diz respeito à saúde global e mental dos portugueses, os dados apresentados demonstram que não existem alterações relevantes, embora alguns dados sejam preocupantes;
- Os portugueses apresentam também comportamentos mais permissivos, concordantes com o desconfinamento.
Plano de vacinação evolui favoravelmente — mas com condicionantes
- O vice-almirante Henrique Gouveia e Melo, coordenador da 'task force', fez um ponto de situação da vacinação no país, referindo que há uma evolução positiva no plano;
- Contudo, a limitação de idade a dois tipos de vacinas pode condicionar a utilização de meio milhão de vacinas no segundo trimestre e 2,7 milhões no terceiro trimestre;
- No terceiro trimestre, as mesmas duas vacinas com as limitações também da idade podem atrasar a meta dos 70% da população vacinada até ao verão;
- Entre hoje e amanhã, o país atinge um valor de 3 milhões de vacinas inoculadas, só no continente. Acrescentando os arquipélagos esse número já foi ultrapassado, o que "é uma boa marca", No final desta semana, mais de 22% da população vai ter uma primeira dose, "o que confere uma proteção bastante elevada";
- "Estamos a progredir fortemente na faixa etária dos 70 aos 79 anos, a faixa etária dos mais de 80 anos já está totalmente vacinada, com algumas exceções. Estamos a progredir fortemente e, em princípio, no fim desta semana teremos atingido também quase os 100% desta faixa etária. Nunca atingimos os 100% porque há sempre gente que não vai ser vacinada por ter recuperado da infeção", explicou;
- A 23 de maio, "é expectável termos todo o grupo dos 60 anos para cima coberto, o que significa que em termos estatísticos estamos a cobrir uma faixa etária da população que contribuiu com 96,04% dos óbitos por covid-19", bem como da faixa etária anterior;
- Espera-se, assim, que entre agosto e setembro 70% da população esteja vacinada, o que equivale a ter o grupo a partir dos 30 anos totalmente vacinado.
Marcelo agradece "papel de conselho" dos especialistas
- O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, agradeceu hoje a todas as equipas de especialistas que participaram nas sessões sobre a situação da covid-19 a ajuda que têm dado aos decisores políticos ao longo de mais de um ano;
- Numa curta intervenção, por videoconferência, o chefe de Estado disse querer "agradecer uma vez mais e hoje de forma muito impressiva aos intervenientes" nesta sessão e também "agradecer nas suas pessoas a todas as equipas que têm ao longo do tempo e continuam ao longo do tempo a colaborar nesta missão";
- Segundo Marcelo Rebelo de Sousa, trata-se de "uma missão essencial de ajuda aos decisores políticos, nomeadamente ao Governo, mas também ao Presidente da República, e também à Assembleia da República". "Sem esse papel de conselho, de análise, de reflexão, de pesquisa, não seria tão fácil, eu diria mesmo não seria possível aos decisores agirem como têm tentado agir ao longo de mais de um ano de pandemia", considerou;
- Marcelo Rebelo de Sousa considerou que "o progresso da vacinação" em Portugal "merece ser saudado e merece ser destacado" e tem acompanhado "par e passo" a gestão e a evolução da covid-19. "Eu saúdo a decisão que nos foi hoje comunicada de privilegiar a primeira dose, quando existe por razões de escassez relativa uma necessidade de opção entre aumentar o número da primeiras doses e reforçar as reservas para segunda dose", acrescentou;
- O presidente da República assinalou ainda que "várias das apresentações mostraram que a letalidade e a mortalidade vão acompanhando em sentido inverso o avanço da vacinação".
"O país está a controlar a pandemia"
- À saída da reunião, a ministra da Saúde, Marta Temido, afirmou que "o país está a controlar a pandemia", mas lembrou que importa manter três vetores: os cuidados individuais, a testagem e a vacinação. "A questão essencial neste momento é continuar em frente, continuar a trabalhar", disse;
- "Por muito que seja o cansaço acumulado, é ainda preciso continuar a lutar contra a pandemia, porque ela não está ultrapassada", lembrou a ministra;
- Quanto ao estado de emergência, Marta Temido referiu que o Governo apenas se vai pronunciar após decisão do presidente da República. No que diz respeito ao avançar do desconfinamento, a ministra também escusou dar garantias, frisando que essa comunicação será feita no devido tempo, após o próximo Conselho de Ministros;
- No que diz respeito à vacinação, a ministra da Saúde reconheceu que as entregas das farmacêuticas e os limites de idade para administração em duas das quatro vacinas disponíveis (AstraZeneca e Janssen) "podem condicionar o plano de vacinação contra a covid-19", tal como referido pelo coordenador da 'task force';
- Contudo, Marta Temido preferiu realçar o cumprimento de objetivos mais imediatos, nomeadamente a vacinação de todas as pessoas com "mais de 60 anos na terceira semana", e o "contrapeso" proporcionado pela entrega antecipada de vacinas anteriormente contratadas à Pfizer/BioNTech anunciado recentemente pela Comissão Europeia;
- Após a reunião, Marta Temido evitou dizer que este poderá ter sido o último encontro quinzenal, apesar de ter reconhecido que o modelo pode vir a sofrer mudanças no futuro próximo. "Não li nesse sentido o que foi dito. O que foi dito dentro da sala é que estas reuniões eram importantes para alimentar com informação as decisões políticas. Mesmo nos momentos em que estas reuniões não se realizaram publicamente, o Ministério da Saúde continuou a enviar informação aos partidos políticos e aos parceiros", disse, adiantando: "O formato poderá ser alterado, a necessidade de continuar a acompanhar a informação certamente que não";
- Entre as "muitas questões" que a pandemia continua a levantar, Marta Temido realçou o problema das variantes e a necessidade de uma "gestão de fronteiras";
- O foco virou-se agora para a variante do SARS-CoV-2 identificada na Índia e da qual já foram observados casos em Portugal, dos quais alguns são de cidadãos de outras nacionalidades e outros já de portugueses sem histórico recente de viagem. "Pode ser sinal de se estar a iniciar a transmissão comunitária", alertou Marta Temido, que notou também que "as variantes são uma das complexidades" colocadas pela pandemia e que exigem atenção da parte dos responsáveis e investigadores.
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