Muito se tem escrito sobre a variante "indiana", a B.1.617, que se suspeita ser responsável pela onda de mortalidade por covid-19 na Índia. O país registou ontem 2.812 óbitos em 24 horas e 352.991 novos casos. A situação é "para lá de dilacerante", assumiu a Organização Mundial da Saúde.
Esta variante tem, por isso, gerado grande preocupação, tendo mesmo sido apelidada de "duplo mutante" — ideia que João Paulo Gomes, responsável pelo Núcleo de Bioinformática do Instituto Ricardo Jorge, contrariou esta terça-feira, durante a reunião de especialista no Infarmed, procurando apaziguar a população sobre esta estirpe e sobre a eficácia das vacinas em relação às variantes já conhecidas.
Segundo João Paulo Gomes, foram detetados 6 casos da variante indiana em Portugal, todos na Região de Lisboa e Vale do Tejo, referentes a 3 introduções distintas no país.
No entanto, "nada do que está a aparecer agora é novo, eventualmente o que é novo é o tipo de combinações com que estas mutações aparecem nestas variantes", disse. "Há um padrão de repetição", resumiu.
O especialista do INSA considerou mesmo que "é um pouco infeliz a alcunha do duplo mutante com que se está a apelidar a variante indiana. Não é um duplo mutante, tem 15 ou 20 mutações face ao vírus inicial, detetado na China, tendo efetivamente duas de grande importância, e talvez por isso seja apelidado desta forma". No entanto, ressalva, "esta tendência para assustar as pessoas não é favorável para ninguém".
A alcunha de "duplo mutante" está relacionada com duas alterações críticas, nomeadamente a mutação E484Q e a L452R. Estas mutações não são novas, mas apareceram pela primeira vez combinadas num mesmo genoma, dando origem a uma nova linhagem do vírus, detalhou o virologista Pedro Simas ao Expresso.
A mutação "E484Q está associada a algum escape imunológico, ou seja, à perda de eficácia dos anticorpos, o que pode conferir alguma vantagem [a esta variante] na disseminação. A L452R não se sabe bem o que faz, se torna o vírus mais infeccioso ou não, não se sabe qual é o mecanismo”, explicou Pedro Simas. Portanto, “desconhece-se ainda se esta variante é mais transmissível do que as variantes do Reino Unido, da África do Sul ou do Brasil, temos de esperar”.
Explicou João Paulo Gomes esta terça-feira no Infarmed que "vamos ter uma população cada vez mais imunizada e é normal que os vírus com que nos vamos debater sejam vírus com mutações associadas precisamente à capacidade de lidar com o nosso sistema imunitário. Assim tem sido e será nos próximos meses", antecipou, partilhando um slide em que é visível a evolução da identificação de variantes ao longo dos últimos meses.
E no que diz respeito à eficácia das vacinas, "não há qualquer evidência, no que diz respeito a esta variante indiana, de que as vacinas tenham qualquer problema. Tal como acontece com a variante da Africa do sul, a P1 [de Manaus] e do Reino Unido, as vacinas estão a portar-se muito bem, eliminado totalmente o problema da doença grave".
Que variantes estão em circulação em Portugal e quais as mais preocupantes?
No que diz respeito à presença de variantes em solo nacional, "a variante britânica está nos 90% e temos de lidar com isso. Está em Portugal, na Europa e vai dominar o mundo", diz João Paulo Gomes, acrescentando que "existem relatórios que associam esta variante a uma maior taxa de letalidade, sendo que a taxa de letalidade em Portugal está em níveis muito baixos".
Já a disseminação da variante do Brasil em Portugal é vista "com alguma preocupação", estando a propagação relacionada com a abertura de fronteiras.
"A variante da África do Sul já tinha níveis fora do residual no mês de marco e antecipamos que abril não será diferente", acrescentou.
Já sobre a variante indiana, ainda não é possível dizer "qual o nível de disseminação" em solo nacional, mas a comunidade científica portuguesa "está atenta" e "com esperança de que o processo de vacinação se sobreponha a tudo isto", disse o investigador.
Face a esta análise, João Paulo Gomes conclui que o panorama de variantes em Portugal "não é impeditivo do plano de desconfinamento" em curso, que deverá entrar na terceira (e última) fase na próxima segunda-feira, 3 de maio.
Olhando para o índice de transmissibilidade (Rt) e a taxa de incidência de novos casos de covid-19 nas últimas duas semanas — indicadores críticos para o avanço do desconfinamento — registou-se uma estabilização, afirmou também hoje o investigador Baltazar Nunes, do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, durante a reunião no Infarmed.
“Observou-se um decréscimo da transmissibilidade e para os últimos cinco dias estimámos um R de 0,99. A incidência também está em decréscimo, a tendência é estável e será ligeiramente decrescente”, adiantou o perito do INSA.
De acordo com Baltazar Nunes, a evolução foi positiva na generalidade das regiões em relação à atualização feita há duas semanas, na qual apenas a região de Lisboa e Vale do Tejo apresentava um R abaixo de 1.
“A situação atual é bastante melhor. Atualmente, apenas a região Norte tem um R acima de 1 [em que uma pessoa infeta pelo menos uma pessoa]; todas as regiões do continente estão com incidência abaixo dos 120 novos casos por 100 mil habitantes a 14 dias e do R igual a 1, com exceção do Norte”, clarificou. Apesar de admitir um atual aumento da incidência no grupo entre os 10 e os 20 anos, vincou que “dos 30 anos para a frente não há alteração e acima dos 80 anos mantém-se a redução da taxa de incidência”.
O investigador do INSA enfatizou o “benefício e o impacto da vacinação nos grupos etários para reduzir a incidência” e, através de simulação matemática para diferentes cenários de incidência controlada e incidência crescente para os próximos meses, notou que “os resultados sugerem uma situação epidemiológica controlada com claros sinais de impacto do plano de vacinação, nomeadamente na população com 80 ou mais anos de idade”.
A manutenção do controlo da situação epidemiológica passará, segundo Baltazar Nunes, “por compensar o aumento de contactos e transmissibilidade com o aumento da testagem, isolamento de casos e rastreio de contactos”, bem como a continuidade do cumprimento das medidas preventivas.
Portugal já está também entre os países com maior mobilidade a nível europeu e “não manteve o padrão de aumento da incidência e do R, mas estabilizou com um R ligeiramente abaixo de 1 e a incidência entre 60 e 120” de novos casos por 100 mil habitantes a 14 dias, acrescentou.
De recordar que uma incidência de números de casos de covid-19 abaixo dos 120 por 100 mil habitantes e índice de transmissibilidade (Rt) inferior a 1, são os critérios definidos pelo Governo para a avaliação contínua do processo de desconfinamento em curso e sobre o qual o executivo de António Costa tomará uma decisão ainda esta semana.
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