“Incontestável nos parece, num país pobre e de fracos recursos, ser impensável e imperdoável desperdiçar a oportunidade que ao país é dada de aproveitar fundos europeus para que o mundo do judiciário, em particular o Ministério Público, ganhe efetivo e imperdível avanço no domínio das tecnologias e sistemas de informação”, afirmou Lucília Gago.
No discurso proferido na cerimónia de abertura do ano judicial, no Supremo Tribunal de Justiça, em Lisboa, a procuradora-geral da República reiterou que “não basta” invocar a autonomia do MP e que é necessário criar “condições efetivas” para os procuradores poderem cumprir os objetivos, rejeitando as críticas públicas de atrasos na conclusão da investigação de processos mediáticos.
“No momento de assacar responsabilidades pelas demoras e pelos atrasos registados, (…) torna-se fácil — e muito cómodo e estrategicamente conveniente para muitos — apontar o dedo, em exclusivo, ao Ministério Público”, disse. A magistrada referiu que “os sinais de desprestígio e de erosão no judiciário apresentam-se hoje como inegáveis” e pediu reuniões regionais para ultrapassar as diversas situações de falta de meios.
Apelando ao fim de “estados de negação” sobre a Justiça e da proliferação de “diagnósticos, protocolos e grupos de trabalho desenquadrados de uma estratégia global”, Lucília Gago defendeu que “o tempo urge” para entendimentos sobre diplomas legislativos – nomeadamente na organização judiciária e nas áreas do Código Penal e do Código de Processo Penal – que permitam renovar a confiança junto dos cidadãos.
Relativamente à corrupção e criminalidade económico-financeira, a procuradora-geral da República destacou a importância de o MP alcançar “uma intervenção especializada” para “garantir que os agentes do crime são privados de todos os benefícios económicos obtidos, sem contemplações e sem exceções”.
Já sobre o combate à violência doméstica – que admitiu não registar ainda sinal de abrandamento, apesar do investimento -, Lucília Gago assumiu a possibilidade de alargar as Secções Especializadas Integradas de Violência Doméstica para “novas áreas de intervenção”.
Por último, a procuradora-geral da República não esqueceu a polémica sobre a lei dos metadados, ao aludir aos “sobressaltos de natureza técnico-jurídica que puseram em causa a prova eletrónica em investigações já realizadas e em todas as investigações presentes e futuras”. Nesse sentido, exigiu o esclarecimento da questão, lembrando as “grandes convulsões, geradoras de muitas dúvidas e incertezas que não estão resolvidas”.
“A investigação criminal sofreu o impacto de tais sobressaltos, carecendo a atividade do Ministério Público de que o poder legislativo defina quais são as regras legais que deve observar e quais os procedimentos que pode adotar na investigação, tendo nós a esperança de que 2023 seja o ano da clarificação”, concluiu.
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