"Eu pertenço aqui. O meu ramo é a madeira. Hoje, não tenho um pau verde para tirar. Nada", desabafava Carlos Tomé, madeireiro, junto ao que restava do seu estaleiro de manutenção de máquinas, perto da povoação de Braçal, concelho de Góis, distrito de Coimbra.

Uma aparente calma, tensa, rompida pelo crepitar do fogo a avançar pelas encostas da serra da Lousã e o desânimo de quem perdeu tudo ilustravam esta manhã o combate às chamas, que desde sábado destroem a floresta.

Juntamente com um colega de profissão, Carlos Baeta, afirma que foi "por tão pouco" que não conseguiram conter o fogo que galgou os montes e cobriu de fuligem escura as gigantescas ventoinhas do parque eólico do Cadafaz.

A meio da manhã, os aviões Canadair não paravam de fazer voos rasantes, a poucos metros do solo, para conter as duas frentes de fogo que ainda restavam.

Por toda a estrada, carros de bombeiros circulavam serra abaixo, rumo ao descanso, ou serra acima, até onde o fogo ameaçasse.

Cascais, Oeiras, Campo de Ourique, Alenquer, Barreiro, Pinhal Novo, Arruda dos Vinhos ou Ovar, todos vieram para o mesmo.

Mas mesmo assim, não chegaram a tempo para salvar o sustento que Manuel Tomé já tinha garantido para os próximos dois anos. Por cada tonelada de madeira, ganha-se 32 euros. Queimada, é preciso o triplo da quantidade para fazer esse peso.

"Epá, na noite de domingo para segunda, o fogo andava aqui sossegadinho, a pedir que o apagassem, só não falava. E o tempo foi passando e os gajos a dizer que estava controlado. Levantou-se o vento e veio por aí acima. Foi por tão pouco", revolta-se Manuel Baeta, que culpa a falta de intervenção atempada pela dimensão do incêndio.

Manuel Tomé, que desde sábado teve "quatro horas de cama", não sabe o que fará e pensa para já em deixar tudo, porque não lhe restou nada.

"Tenho trabalhado de dia e noite e agora estou atado de pés e mãos. Na segunda-feira estávamos aqui em aflição e eu fui ter com três carros de bombeiros que estavam ali em cima na serra a pedir-lhes que aqui viessem, porque nós tínhamos conseguido segurar o fogo. Disseram-me que não tinham ordens. Que bombeiros são estes?", interroga-se.

O trabalho de Tomé e Baeta, com duas máquinas de rasto a romper caminho parou numa ravina onde só um meio aéreo conseguiria chegar. Ainda deram as coordenadas, mas não chegou.

"Até metemos um corta-fogo. Andámos aí a metê-lo, com um isqueiro e carqueja. E ainda podíamos ir presos por isso. "É uma tristeza. Por um bocadinho? é o que está à vista", afirma Manuel Tomé, rodeado de encostas queimadas e árvores calcinadas.

Agora, não sabe o que há de fazer nem a quem recorrer.

"Sabe, nós ficámos aqui. Os da minha idade ou se foram embora ou emigraram. A gente vai poupando, vai comprando mais um bocado de terra. De um momento para o outro fica-se sem nada", lamenta Manuel Baeta.

Manuel Marques, de 70 anos, padrinho de Manuel Tomé, nunca viu fogo semelhante nesta zona e lembra que não se perderam só árvores. Sem urze, não há mel da Serra da Lousã e, agora, "por anos, não vai haver uma gota de medronho".

"Não há justificação para o que aconteceu aqui", afirma Manuel Tomé, afirmando que é ao pé da propriedade dos madeireiros que ainda resta uma pequena mancha verde.

O Estado, argumenta, não sabe cuidar das suas florestas, e haver jipes da proteção civil "com uma mangueira" a andar de um lado para o outro não vale um autotanque dos bombeiros ou um madeireiro com uma máquina de rasto ou uma sachola.

Nas frentes de fogo, caravanas de bombeiros, jipes da GNR e os 11 aviões Canadair em vaivém constante atacam o fogo, que espalha uma névoa cinzenta densa até onde a vista alcança.

Quando passam os aviões, só se ouvem cigarras e o estalar constante das árvores a serem consumidas, num cenário insólito, com as eólicas a girarem impassíveis pelo meio das gigantescas colunas de fumo.

Mais insólito ainda, um helicóptero Alouette da Força Aérea ao serviço do dispositivo de combate aterra de repente junto a uma paragem de autocarro no meio da serra, trazendo responsáveis da proteção civil, para levantar pouco depois rumo a outro ponto quente.

Junto a Góis, 35 bombeiros galegos param por momentos antes de seguirem para Arganil, para descansarem depois de uma tarde e uma noite de trabalho.

Só a farda verde-azeitona os distingue dos portugueses. O chefe, Manuel Rodriguez, disse à Agência Lusa que, apesar de serem "todos veteranos", nunca viram um fogo tão grande.

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