A decisão. O Supremo Tribunal dos EUA anulou hoje a proteção do direito ao aborto em vigor no país desde 1973. Os juízes da mais alta instância judicial norte-americana, atualmente com uma maioria conservadora, decidiram anular a decisão do processo “Roe vs. Wade”, que protegia como constitucional o direito das mulheres ao aborto.
O aborto passa a ser ilegal? Não. A decisão, a favor da qual votaram seis juízes (três votaram contra), não torna a interrupção da gravidez ilegal, mas leva os Estados Unidos a voltar à situação que prevalecia antes de 1973, quando cada estado decidia autorizá-la ou não. A partir de agora (de hoje, já!) cada estado poderá decidir se mantém ou proíbe tal direito.
O estado do Missouri já veio garantir que vai ser o primeiro a ilegalizar o aborto. O anúncio foi feito pelo Procurador-Geral Eric Schmitt, no Twitter, que considerou este "um dia histórico". Espera-se que outros estados, especialmente no sul e no centro, mais conservadores, como Texas, Arizona, Geórgia, Ohio, Indiana ou Wisconsin, também proíbam rapidamente o procedimento.
Quando é que o abordo passou a ser permitido? O direito foi estabelecido no caso histórico de 1973 conhecido como ‘Roe v. Wade’, em que foi decidido que as mulheres grávidas tinham o direito constitucional de interromper a gravidez até ao ponto de viabilidade fetal, ou seja, a partir do momento em que o feto pode sobreviver fora do útero, que ocorre geralmente em torno de 24 semanas de gestação, mas o entendimento varia de estado para estado.
Porquê "Joe vs. Wade"? Este é o nome pelo qual ficou conhecido um caso judicial que opôs uma mulher de 25 anos, Norma L. McCorvey, mas identificada com o pseudónimo Jane Roe, às leis sobre o aborto do Texas, em 1965. Wade era o nome do procurador que representou o estado. Alegando ter sido violada, a mulher desafiou as leis anti-aborto texanas. Roe perdeu na primeira instância e teve a criança, mas recorreu e o Supremo Tribunal decidiu, em 1973, que o Estado não tinha o poder de proibir o aborto e que o direito da mulher a fazê-lo estava protegido pela Constituição.
Como chegámos aqui? O Supremo Tribunal foi chamado a pronunciar-se depois de uma decisão do Estado do Mississipi de proibir o aborto após as 15 semanas de gestação (Dobbs vs. Jackson), considerada uma violação da lei federal. Na decisão de hoje, os juízes do Supremo Tribunal consideraram que a Constituição do país não menciona de forma específica o direito ao aborto.
Além disso, durante os seus quatro anos na presidência, Donald Trump e os republicanos do Senado instalaram três juízes conservadores no Supremo, solidificando a maioria conservadora naquela que é a mais alta instância do poder judiciário norte-americano. Seis dos nove juízes atuais do Supremo foram nomeados por Presidentes republicanos; os outros três foram escolhidos por chefes de Estado democratas. Recorde-se que os cargos no Supremo são vitalícios.
A decisão é surpreendente? Não. A decisão de anular Roe v. Wade não caiu do nada, nem surpreendeu muitos norte-americanos, uma vez que já era esperada. No início de maio foi revelado pela publicação Politico um projeto de decisão nesse sentido, escrito pelo juiz conservador Samuel Alito e datado de 10 de fevereiro. Na altura, o Supremo Tribunal sublinhou que o projeto estava ainda a ser negociado e que a decisão, hoje conhecida, deveria ser publicada até 30 de junho.
"Histórico" para democratas e republicados. Por diferentes razões:
- A presidente da Câmara dos Representantes, a democrata Nancy Pelosi, classificou a decisão como “um insulto e uma bofetada” para as mulheres.
- "A saúde e a vida das mulheres desta nação estão agora em risco", reagiu Joe Biden, numa declaração em direto da Casa Branca.
- “Hoje, o Supremo Tribunal não só anulou quase 50 anos de precedente histórico, como também deixa a decisão mais pessoal entregue à boa vontade dos políticos e ideólogos", escreveu Obama no Twitter.
- "Ao remeter a questão do aborto para os Estados e para o povo, o Supremo Tribunal reparou um erro histórico", escreveu. também no Twitter, o ex-vice Presidente Mike Pense.
- O líder republicano do Senado norte-americano considerou hoje que a decisão do Supremo Tribunal de revogar o direito ao aborto foi “valente e corajosa”, constituindo uma “vitória histórica” para a Constituição e as pessoas “mais vulneráveis” do país.
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