“Portugal esteve desde a primeira hora envolvido nas negociações do pacto global das migrações que se iniciaram nas Nações Unidas”, disse à agência Lusa o ministro dos Negócios Estrangeiros, Augusto Santos Silva, a poucos dias da realização em Marrocos da conferência intergovernamental que será marcada pela adoção formal do Pacto Global para uma Migração Segura, Ordenada e Regular (GCM, na sigla em inglês).
Recordando que Portugal subscreveu, em setembro de 2016, o documento que deu o ponto de partida para as negociações do pacto, a chamada “Declaração de Nova Iorque”, e participou nos processos negociais de vários meses que culminaram no texto final do documento, aprovado em julho passado, Santos Silva frisou que o país “cumpre naturalmente” a sua palavra.
Portugal “revê-se inteiramente no texto a que se chegou (…) e subscreverá o pacto”, prosseguiu o representante.
Mesmo não tendo uma natureza vinculativa, o pacto negociado sob os auspícios das Nações Unidas tem vindo a dividir opiniões e a suscitar críticas de forças nacionalistas em vários países da União Europeia (UE) nas últimas semanas. Alguns países, como a Polónia, Áustria ou República Checa, recuaram e anunciaram que não vão assinar o documento.
Santos Silva respeita a decisão dos parceiros europeus, mas lamenta que estes a tenham tomado, depois de terem participado nas negociações.
“Isso não honra a palavra dos europeus, prejudica a imagem dos europeus (…) e sobretudo mostra o medo de alguns governos perante a sua extrema-direita que não é bom augúrio para os valores da democracia europeia”, frisou.
Ainda sobre as divisões que o texto tem suscitado, o chefe da diplomacia portuguesa argumentou que tal situação reflete “uma mistura de ignorância, preconceito” e de “diferenças ideológicas”.
“Entre aqueles que não querem assinar o pacto diz-se muito que este pacto consagra um novo direito que seria o direito a imigrar. Não é isso que nós dizemos. O que nós dizemos e devemos dizê-lo, é que os migrantes, mesmo em situação irregular, continuam a ser pessoas, com a dignidade própria das pessoas e com direitos”, afirmou.
Para Santos Silva, o pacto global para a migração, o primeiro documento deste género, reflete igualmente a importância do trabalho dos países que “acreditam no multilateralismo, que querem uma agenda positiva das migrações, que querem que os Estados-membros se vinculem politicamente a uma agenda de princípios e de exemplos a seguir”.
O ministro reiterou que o governo português se revê na filosofia do pacto, que “pode ser descrita em princípios muito gerais e facilmente muito compreensíveis”.
“A única alternativa às imigrações ilegais (…) são migrações seguras, reguladas e legais. Se nós queremos combater as migrações ilegais e o tráfico de pessoas devemos oferecer vias controladas, seguras, ordenadas e reguladas de migração”, disse.
E para alcançar esse objetivo, segundo frisou Santos Silva, os países têm de trabalhar “em três frentes ao mesmo tempo”: defesa das respetivas fronteiras, integração dos migrantes com uma dupla dimensão (acolhimento e responsabilização) e capacidade de cumprir com as obrigações legais internacionais e garantir às pessoas que são perseguidas ou vítimas de conflitos o processamento útil dos pedidos de asilo.
“O pacto é muito claro ao dizer que devemos agir ao mesmo tempo em matéria de segurança, agir em matéria de integração e agir em matéria de acolhimento”, salientou
A conferência promovida pela ONU em Marrocos estará também associada aos nomes de dois portugueses que assumem atualmente papéis de destaque na esfera da organização internacional e da temática das migrações: o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, e o diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), António Vitorino.
Segundo Santos Silva, tal situação “aumenta a responsabilidade de Portugal”.
“A gestão do pacto implica uma liderança da OIM e Portugal quando candidatou o Dr. António Vitorino sabia disso e essa foi uma das razões porque apresentou a candidatura. O pacto global é uma declaração que se faz no âmbito das Nações Unidas, e o secretário-geral das Nações Unidas é português”, afirmou.
“Portugal tem também uma responsabilidade que decorre do facto de ser um dos poucos países da Europa hoje em que a agenda das migrações beneficia de um consenso social e político muito amplo” sublinhou, lembrando a ligação do país a uma “emigração tradicional” e mais recentemente ao colhimento de várias comunidades imigrantes.
Dois terços dos 193 países-membros da ONU vão estar, entre segunda-feira e terça-feira, em Marraquexe, Marrocos, na conferência intergovernamental para adotar o pacto global para a migração.
O documento, fruto de 18 meses de consultas e negociações entre os Estados-membros da ONU, é o primeiro deste género e tem como base um conjunto de princípios, como por exemplo a defesa dos direitos humanos, dos diretos das crianças migrantes ou o reconhecimento da soberania nacional.
O texto também enumera 23 objetivos e medidas concretas para ajudar os países a lidarem com as migrações, nomeadamente ao nível da informação e da integração, e para promover “uma migração segura, regular e ordenada”.
O número de migrantes no mundo está atualmente estimado em 258 milhões, o que representa 3,4% da população mundial.
O número de imigrantes em Portugal aumentou em 2017 pelo quinto ano consecutivo, estimando-se que tenham entrado no território 36.639 pessoas para residir no país, mais 6.714 face a 2016, segundo dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) divulgados em novembro passado.
Por outro lado, o número de emigrantes diminuiu pelo quarto ano consecutivo, 31.753 pessoas contra as 38.272 registadas em 2016, de acordo com os mesmos dados.
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