“Nunca ouvi falar português. A língua portuguesa aqui? É um mito, uma invenção dele para que vocês acreditem”, diz Salvador Bilan, ativista e opositor do regime.

“Dele”, de Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, no poder desde 1979, depois de ter sucedido ao seu tio, tido como um dos mais sanguinários ditadores da história africana, de quem era lugar-tenente.

Há dez anos que o país tem como língua oficial o português, uma decisão no papel semelhante à que Obiang tomou em 1998 quando decretou que o francês também era idioma do país, uma antiga colónia de Madrid onde só se ouve falar espanhol nas ruas.

Na ocasião, essa era a condição para aderir à francofonia. A CPLP impôs mais duas condições para aceitar a entrada da Guiné Equatorial: o fim da pena de morte e estruturas de ensino formais de português.

Nenhumas destas promessas está cumprida. A pena de morte permanece legal e está apenas suspensa com um despacho presidencial sem valor vinculativo à luz da constituição e do código penal do país, o mesmo da época franquista.

"Sou como a lepra". Ser da oposição no país de Teodoro Obiang
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O ensino do português não existe no país, com exceção de aulas particulares na embaixada do Brasil em Malabo, capital do país.

Cristina Abeso Mangue é a coordenadora nacional da lusofonia do Ministério das Relações Exteriores e reconhece que há muito por fazer: “A coordenação está definida, mas falta introduzir o português no sistema de ensino”.

Do Ministério que tutela a diplomacia já foram enviados técnicos a Lisboa para terem formação em português, mas é necessário fazer mais e alargar esse “esforço a todos os organismos do Estado”.

Ora, explica Cristina Abeso Mangue, “grande parte do trabalho está no Ministério da Educação”, que tem “a capacidade de introduzir o português nos currículos escolares”.

A queda brutal dos preços do petróleo retirou liquidez ao Estado para outros projetos. Também por isso, diz, “falta um orçamento aprovado para avançar com português em escolas-piloto que já estão definidas”.

Quanto à introdução do português nos currículos oficiais, Cristina Abeso Mangue está otimista: “Temos condições para termos tudo a funcionar dentro de dois anos”.

Já existiram contactos com a Porto Editora, diz Cristina Abeso Mangue, para se avançar com a edição de livros de ensino de português.

“O trabalho técnico já está feito e já estão escolhidos os diferentes materiais didáticos”. Além disso, “todos os estudantes do país sabem que vai haver uma nova língua e há uma grande expectativa,” mas “precisamos de mais apoio”, afirmou a conselheira.

créditos: MÁRIO CRUZ/LUSA

A Guiné Equatorial é o país mais rico de África per capita e oferece condições para quem queira instalar-se no país para ensinar português.

“Precisamos de mais cooperantes, o único país que está a dar algum apoio é o Brasil. Precisamos de pelo menos um professor de português e temos casa disponível para um formador”, explica Abeso Mangue, que diz que o país tem feito um esforço para promover a língua portuguesa.

Na televisão e rádio públicas, há meia hora diária de noticias com locução em português, explica Abeso Mangue: “Foram quadros nossos que tiveram formação em Moçambique e leem as notícias”.

Já o cônsul honorário português em Malabo, Manuel Azevedo, é menos otimista. “Há três anos que andam com promessas, mas não há nem sequer um programa curricular em português, um exemplo apenas para mostrarem”, desabafa o empresário.

Em contrapartida, Manuel Azevedo acredita que existe um “interesse enorme das populações na língua portuguesa”.

Apesar das críticas feitas por Malabo a Lisboa, o cônsul diz que “Portugal até tentou ajudar no ensino” mas é necessário concluir o processo e a escolha das escolas-piloto onde será feito.

Salvador Bilan minimiza a importância destes planos: “É tudo uma invenção, como foi o francês. A CPLP foi apenas uma estratégia para ele ter reconhecimento internacional. E a CPLP foi atrás, alguém recebeu dinheiro para apoiar a entrada do regime na organização que eu achava que defendia os direitos humanos”.

A promessa do fim da pena de morte é outra coisa por cumprir. “Claro que há pena de morte aqui”, responde Salvador.

O advogado e ativista de direitos humanos Ponciano Mbomio Nvó subscreve e vai mais longe: “a moratória é apenas um papel assinado pelo Presidente. O Código Penal continua a ser o mesmo que o do tempo do Franco. Já nem Espanha usa esse código”.

Exemplo disso é o julgamento em setembro deste ano de um trio suspeito de homicídio em Mikomeseng, no continente. “Dois deles foram condenados à morte e um deles a 30 anos de prisão”, diz Ponciano Nvó, que não sabe quando é que os dois vão ser executados.

créditos: MÁRIO CRUZ/LUSA

O próprio discurso do estado português mudou. Há três anos, Lisboa assumia que a Guiné Equatorial tinha acabado com a pena de morte.

Hoje, o encarregado de negócios de Portugal no país, Manuel Grainha do Vale admite que “há caminho a fazer ainda” por parte da Guiné Equatorial. “Temos insistido com as autoridades em Malabo. Estes estão perfeitamente conscientes de que, tanto no ensino do português como no caso específico da pena de morte, temos uma posição bastante consistente e insistente”, explica o representante diplomático de Portugal.

Quanto à pena de morte, Grainha do Vale admite dificuldades. “Não fazemos, à partida, julgamentos precipitados nestas matérias” e “temos de respeitar os tempos dos partidos”, diz.

No entanto, “julgamos que a Guiné Equatorial deve mostrar outro empenho nessa questão e na parte do ensino do português”, avisa.

Salvador Bilan discorda: “não se vai falar aqui português nunca e ele não vai acabar com a pena de morte”. Porquê? “Porque assim tem o chicote para nos chicotear”, responde.

LUSA | Paulo Jorge Agostinho (texto) e Mário Cruz (Fotos)