João Fernandes, de Arraiolos, no Alentejo, fala de uma “praga grande”, de “vários acidentes” nas estradas da região, e acrescenta à Lusa: “Há pouco cruzei-me com um javali à entrada de Montemor”. Destroem os ninhos das perdizes e as tocas dos coelhos e lebres e agora que está a chegar o verão vão começar, diz, a destruir os tomatais e os milheirais.
Mas o problema, afirma à Lusa José Baptista, do Movimento Caçadores Mais Caça, é nacional e preocupante.
O dirigente tem contabilizado casos de acidentes envolvendo javalis e cita exemplos, falando de centenas de casos. Em Portel, Grândola ou Santiago do Cacém, Gavião ou Moura, mas também mais a norte, da Malveira à Sertã, de Pampilhosa a Rio Maior, Lousã ou Vila Real.
A Lusa pediu dados sobre acidentes rodoviários envolvendo animais mas a GNR encaminhou o assunto para a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, que não tem dados específicos, embora nos relatórios anuais se note um aumento de atropelamento de animais (que provocaram pelo menos feridos), 66 casos em 2012, 76 no ano seguinte, e 104 em 2014 e 2015.
José Baptista, que já alertou os principais responsáveis políticos do país, fala ainda de outro problema relacionado com os javalis - as doenças, como a tuberculose, e o facto de na generalidade os javalis caçados não serem objeto de inspeção veterinária.
O bastonário da Ordem dos Médicos Veterinários, Jorge Cid, admite, em declarações à Lusa, que há “um problema grave de incidência de tuberculose nos veados e javalis” e que é preciso “cuidado” porque a doença está a aumentar, “sobretudo na raia”.
Depois, acrescentou, já há casos de transmissão da doença a espécies pecuárias (“bovinos já tiveram de ser abatidos”) e há riscos para as pessoas.
Jorge Cid diz que por norma está presente um veterinário nas caçadas organizadas a javalis mas não nas esperas noturnas, porque tal seria impossível, dada a quantidade de eventos.
A Ordem “via com bons olhos que se criasse um corpo nacional de inspetores” e era “importante a aprovação da carreira dos inspetores sanitários”, de forma a que todas as espécies para consumo público fossem verificadas.
É que, admite, nem sempre há veterinários para as solicitações e atualmente mais de uma centena de autarquias não tem veterinário municipal (“não são repostos há oito anos”).
Além das doenças dos javalis há também outro caso grave, a doença hemorrágica do coelho bravo, diz o bastonário, no que é corroborado por Eduardo Santos, da Liga para a Proteção da Natureza.
Eduardo Santos não entende que os javalis sejam um problema em todo o país, mas admite “um acentuado declínio dos coelhos” devido a doenças.
“É uma questão de saúde animal e de saúde pública”, acrescenta João Branco, da organização ambientalista Quercus, também ele a lamentar que doenças tenham dizimado “quase metade da população dos coelhos” e que no caso de animais como o javali já tenham passado para os animais domésticos.
João Branco defende que há uma “epidemia” de javalis, que não têm predadores além do Homem e que acabam por prejudicar (por destruir as crias) espécies como perdizes, coelhos e lebres, além dos prejuízos na agricultura.
E aproveita para negar um “mito recorrente”: a Quercus não larga animais de qualquer espécie na natureza, e se as raposas ou as águias estão a aumentar é por falta de predadores e por ter diminuído a pressão urbana.
As águais, aliás, até ajudam a conter a devastação do coelho, eliminando os animais doentes, diz Joaquim Teodósio, da Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA).
De tudo isto, sintetiza José Baptista, resulta em mais predadores do que caça.
Rogério Rodrigues, presidente do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), diz à Lusa sobre o assunto: “Há menos espécies de caça menor devido ao habitat, já o javali vê um incremento pelo aumento do seu habitat, bosques e florestas”.
Garantindo também que não há largadas de animais, de águias ou raposas, o presidente do ICNF explica a proliferação do javali com números: há 30 anos havia mais um milhão de hectares de agricultura que hoje estão transformados em matas e florestas, há 40 anos o Alentejo tinha mais 40% de agricultura.
“O habitat natural para coelhos, codorniz e perdiz está a desaparecer, é lógico que estas populações tinham de ter um fortíssimo declínio”, diz o responsável, segundo o qual há quatro ou cinco séculos Portugal também tinha uma população de javalis como agora.
E sobre as doenças admite que é um problema, aconselhando os caçadores a terem alguma informação sobre como identificar se os javalis que abatem estão ou não doentes.
Doentes ou não, insiste José Baptista que se tornaram uma praga e são um perigo na via pública.
Rui Cândido, de Portel, no Alentejo, dava-lhe razão se o ouvisse. Há meses, quando ao início da noite conduzia entre Vidigueira e Pedrógão, na zona de Cortes de Cima atravessaram a estrada “15 ou 20 javalis” e ele não teve tempo para travar ou desviar-se.
“Matei dois, ficaram debaixo do carro”. Rui Cândido não se aleijou porque era “um carro de trabalho grande”, como eram grandes os javalis.
Contas feitas, sem contar com o reboque, foi “uma despesa de 2.700 euros” para arranjar o carro.
São uma praga os javalis? Tem havido mais acidentes na zona? Às perguntas diz que sim.
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