“Tenho cinco anos de guerra em Angola e quase três em Moçambique. Guerra muito dura. Mas sabe por que digo que esta guerra me custa mais? Porque esta é uma guerra muito mais desumana”, atira, emocionado, José Oliveira Santos.
É coronel na reserva, comandou a PSP de Viana do Castelo e o Batalhão de Caçadores 9, foi juiz do Tribunal Militar do Porto e é um dos rostos da resistência à desocupação do “prédio Coutinho”.
Vive, com a mulher, no quinto dos 13 andares do edifício, um edifício que a VianaPolis anda há 19 anos a tentar demolir, por considerar que se trata de um 'mamarracho' que desfeia o centro histórico da cidade e que é importante corrigir os erros urbanísticos do passado.
No edifício, chegaram a morar cerca de 300 pessoas, que entretanto foram saindo, restando agora nove, divididos por seis apartamentos.
“Não tenho dúvidas de que vou ter de sair, eu sei que tenho de sair, mas hei de sair pelo próprio pé e não empurrado”, refere Oliveira Santos.
Garante que tinha tudo preparado para sair. Já comprou casa noutro local da cidade e mostra malas, caixotes e sacos carregados com os seus haveres e colocados no corredor, prontos para a transferência.
“Na segunda-feira, o presidente da câmara disse-me que queria dialogar e eu estava disposto a um acordo. Na terça-feira, cortaram-me o gás. Foi uma facada que deram na minha dignidade. Podem-me cortar o gás, a luz, a água, tudo o que quiserem. Mas a minha dignidade não cortam. Não vai ser com uma pistola apontada à minha cabeça que me tiram daqui”, refere.
Agora, vinca, só sai quando houver uma ordem do tribunal que a isso o obrigue.
“Já fui juiz, respeito os tribunais. Mas sem essa ordem do tribunal, não me arrancam daqui”, diz ainda.
Ele tem 79 anos, a mulher 78. Escolheram comprar casa no “prédio Coutinho” sobretudo pelas “vistas”. De um lado, vê-se o monte de Santa Luzia, o outro lado está virado para o rio Lima.
“Estas vistas custaram-me os olhos da cara”, lembra, adiantando que em 1974 pagou 1.150 contos (5.750 euros) pelo T3 em que vive com a mulher.
A partir de 2000, após ter sido tornada pública a intenção de demolição do edifício, os moradores interpuseram várias ações judiciais para tentar impedir a destruição dos seus lares, mas entretanto a esmagadora maioria chegou a acordo com a VianaPolis, tendo uns optado por receber indemnizações e outros pelo realojamento em edifícios construídos expressamente para o efeito.
No Coutinho, restam agora nove moradores, cujo despejo esteve previsto para a passada segunda-feira, na sequência de uma decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que declarou improcedente a providência cautelar movida em março de 2018.
No entanto, os moradores recusaram sair, tendo entretanto a VianaPolis cortado a eletricidade, o gás e a água do prédio e avançado com a “desconstrução” do edifício.
“Andaram às marretadas nos apartamentos mesmo ao lado dos que ainda estão habitados, mas eu não tenho medo das marretadas nem de nada. Na guerra, ouvi barulhos muito piores. Não são as marretadas nas paredes que me afectam. O que me afeta são as marretadas na minha dignidade”, remata Oliveira Santos.
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