Num discurso na Faculdade de Direito da Universidade do Porto, onde hoje se comemorou o dia da instituição, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) lamentou que nem mesmo depois de um repto lançado pelo Presidente da República, há alguns anos, o Pacto para a Justiça não tenha passado “de uma intenção sem consequências”.
“A dificuldade, diria mesmo, a incapacidade de se conseguirem consensos nesta área fundamental da vida coletiva não pode deixar de causar perplexidade. Perante essa incapacidade, e como tenho salientado em diversos momentos, caberá aos órgãos de soberania a quem está cometida competência legislativa a iniciativa de produzir as alterações indispensáveis ao melhor funcionamento do sistema judicial”, defendeu Henrique Araújo.
“Contudo, como se tem visto, em Portugal continua a navegar-se com a lanterna à popa. Quando, finalmente, se intervém o contexto já se mostra alterado, o que redunda em sistemático atraso na resolução dos problemas”, acrescentou o presidente do STJ.
Numa intervenção em que recordou as condições que garantem a independência do poder judicial face ao poder executivo e legislativo, essenciais ao cumprimento dos pressupostos do Estado de Direito, Henrique Araújo enumerou vários países europeus onde se assiste a um recuo da independência judicial, nomeadamente a Polónia e a Hungria, onde o poder político promoveu reformas e alterações legislativas para condicionar decisões judiciais.
“Como foi possível chegar-se até aqui no seio da própria União Europeia? A resposta não se afigura fácil nem linear. Não haverá, seguramente, uma única razão para este retrocesso, mas antes um conjunto de fatores de natureza política e sociológica que não me arrisco a enunciar nesta alocução”, disse Henrique Araújo.
“Duas certezas se podem, no entanto, extrair: a primeira é a de que foi o poder político quem promoveu estas alterações no quadro do funcionamento dos tribunais e dos órgãos que tutelam o exercício funcional dos juízes; a segunda, é a de que essas alterações visaram instrumentalizar o poder judicial colocando-o sob controlo do poder político”, acrescentou.
O presidente do STJ sublinhou o caso da Polónia, onde “sob a argumentação da necessidade de o poder judicial ter de prestar contas à sociedade (a famosa ‘accountability’ ou responsividade), o poder político, através de uma fortíssima campanha propagandística nos meios de comunicação social, conseguiu convencer os cidadãos de que era chegado o momento de se realizar uma reforma na justiça”.
E, “contando com expressivo apoio da população, o poder político da Polónia iniciou uma revolução judiciária colocando os juízes e os tribunais sob seu completo controlo”.
“A forma insidiosa como se alcançou, no caso da Polónia, o objetivo político de controlo do sistema judicial deverá constituir um sério alerta para outros países, inclusive para Portugal. Também por cá temos ouvido alguns protagonistas da vida política com discursos semelhantes. O que lhes falta em profundidade de análise e conhecimento sobra-lhes em talento demagógico”, disse Henrique Araújo.
O juiz presidente do STJ defendeu que “a sociedade civil tem de estar atenta a estes sinais e precavida contra o perigo de fragilização da independência dos tribunais”.
“Dizia um ensaísta francês que a Política é a História a fazer-se. Sinto que, às vezes, não se tem perfeita consciência dessa responsabilidade e reduz-se a discussão de temas tão importantes como a Justiça a um conjunto de declarações avulsas, sem regra e sem contexto”, disse.
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