Num documento detalhado com 133 páginas, agora divulgado pelo Ministério Público após autorização do Governo devido à polémica gerada, a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) aponta 55 conclusões pormenorizadas, desde o momento em que chegou o alerta, até 72 horas depois.
Aquela entidade começa por apontar que o ‘Aviso Laranja’ do Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para o tempo quente na zona de Leiria, distrito onde se localiza Pedrógão Grande, “deveria ter sido objeto de melhor análise” por parte das autoridades.
Já quanto ao fogo, hora e meia depois de ter deflagrado, o incêndio “não cedia e impunha o empenhamento de mais meios e, muito provavelmente, um rápido desenvolvimento da organização operacional”, situação que só aconteceu minutos mais tarde, numa “implementação [que se verificou] incipiente”, de acordo com o relatório da ANPC.
Três horas depois do primeiro alerta, ainda não existia “uma organização bem definida”, acrescenta aquela estrutura, destacando a “falta de recursos técnicos e materiais”.
Entretanto, o Posto de Comando Operacional foi relocalizado para os estaleiros da Câmara Municipal de Pedrógão Grande, situação que a ANPC viu como “duvidosa em termos técnicos” desde a primeira hora, verificando-se depois que este “local, afinal, não era apropriado”.
Passadas quatro horas desde o primeiro alerta, o funcionamento da operação de combate mostrou-se “deficiente”, sendo necessário um “posto de comando organizado, fluente nos seus trabalhos e com as células a funcionar em pleno”, assinala o relatório.
Além destas dificuldades, que eram do conhecimento do comando nacional da Proteção Civil, também não existia informação meteorológica atualizada, segundo o mesmo documento.
Só após cinco horas após o primeiro alerta é que “as células são claramente atribuídas e (…) abandonam a insipiência embrionária”, descreve a ANPC, referindo, contudo, que nesta altura o plano estratégico de ação “já estava desatualizado” e não tinha em conta a “dimensão que o incêndio já possuía”.
Aí, questões como “a deficiente e tardia consolidação das fases SGO [Sistema de Gestão de Operações] e o tempo gasto na relocalização do Posto de Comando Operacional começam a ter consequências notórias”, com o fogo já a chegar às povoações, indica o relatório.
O combate passou, assim, a ser “puramente reativo, deixando de existir qualquer antecipação nas operações”, elenca a ANPC, referindo que se segue um “aumento considerável dos pedidos de socorro” e “problemas de comunicações”.
“Acode-se onde pedem e onde os meios chegam. O incêndio deixa de ser combatido”, sinaliza aquela entidade, falando nas primeiras notícias da existência de mortes.
Mais de 67 horas após o alerta, “os danos provocados pela deficiente e tardia evolução e consolidação das fases do SGO são já gigantescos e irreparáveis”, aponta a ANPC.
Entretanto, são ainda visíveis problemas de articulação entre o posto de comando e o Comando Distrital de Operações de Socorro de Leiria, segundo a Proteção Civil, que diz também “estranhar” o facto de o plano municipal de emergência não ter sido acionado nas primeiras horas.
“Mas já decorreram já 72 horas sobre o primeiro alerta. As consequências são irreversíveis”, conclui o relatório, datado de outubro do ano passado.
Em junho de 2017, os incêndios que deflagraram na zona de Pedrógão Grande provocaram 66 mortos: a contabilização oficial assinalou 64 vítimas mortais, mas houve ainda registo de uma mulher que morreu atropelada ao fugir das chamas e uma outra que estava internada desde então, em Coimbra, e que acabou também por morrer. Houve ainda mais de 250 feridos.
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