Esta posição de José Pedro Aguiar-Branco consta de um despacho, ao qual à agência Lusa teve acesso, em resposta a um pedido potestativo feito pelo Chega no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre o caso das gémeas luso-brasileiras que receberam tratamento no Hospital de Santa Maria em Lisboa.
Na sequência da audição do chefe da Casa Civil do Presidente da República, Fernando Frutuoso de Melo, o Chega apresentou um requerimento no sentido de solicitar ao presidente da Assembleia da República “os bons ofícios” para requerer ao Palácio de Belém, “se possível em suporte digital, toda a documentação relativa ao caso da Matilde, a criança diagnosticada com Atrofia Muscular Espinal (AME), e que recebeu o tratamento com o medicamento Zolgensma, em julho de 2019”.
Na sua audição perante a comissão de inquérito, Frutuoso de Melo recordou o caso da bebé Matilde, que em junho de 2019 "comoveu o país", dizendo que os portugueses se mobilizaram e angariaram mais de dois milhões de euros" para o medicamento, que então só estava disponível nos Estado Unidos. Depois, o Serviço Nacional de Saúde também adquiriu medicamento.
"Tal permitiu tratar em Portugal outras crianças, incluindo estas duas" gémeas luso-brasileiras, assinalou.
Face ao requerimento do partido de André Ventura, José Pedro Aguiar-Branco adverte que, “estando em causa a comunicação de dados de saúde - suscetíveis de integrarem informação relativa à vida privada de uma criança alheia à comissão parlamentar de Inquérito (CPI), de acordo com o objeto constante do aludido despacho de constituição - deverá o Chega concretizar o âmbito e extensão do pedido”.
O Chega, segundo o presidente da Assembleia da República, deverá “fundamentar e especificar os motivos determinantes do pedido, dado que é possível que se venha a receber documentação - classificada ou não que contenha dados relativos à saúde de uma criança terceira em relação a esta CPI”.
Neste ponto, salienta-se que a averiguação da comissão parlamentar de inquérito se “circunscreve à prestação de cuidados de saúde às duas crianças luso-brasileiras”.
O Chega deverá ainda “concretizar a extensão da informação que pretende que seja cedida, designadamente se é circunscrita ao conhecimento de eventuais reencaminhamentos de informação para conhecer o trajeto da informação que alegadamente existirá na Presidência da República, ou se o pedido de informação deverá incluir informação de saúde da criança, designadamente relatórios médicos, registos clínicos, entre outros”.
No despacho, José Pedro Aguiar-Branco frisa que “os dados relativos à saúde são dados pessoais na definição do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), na medida em que são informações relativas a uma pessoa singular identificada ou identificável, estando integrados nas categorias especiais de dados cujo tratamento só pode ser efetuado em determinados casos”.
“Com efeito, no que respeita aos princípios relativos ao tratamento de dados pessoais previstos no RGPD, o princípio da licitude determina que só é possível o tratamento de dados pessoais se existir uma razão suficientemente legítima que o justifique”, acentua.
Ainda de acordo com Aguiar-Branco, a Constituição “consagra o direito à reserva da intimidade da vida privada (…) e o direito à proteção de dados pessoais”.
“Por sua vez, o Tribunal de Justiça da União Europeia tem entendido, em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que o respeito pela vida privada é um dos direitos fundamentais protegidos pela ordem jurídica comunitária, que comporta o direito das pessoas manterem secreto o estado de saúde e, por outro lado, que podem ser impostas restrições aos direitos fundamentais por ela protegidos desde que correspondam a objetivos de interesse geral e não constituam, relativamente ao fim prosseguido, uma intervenção desproporcionada e intolerável que atente contra a própria essência do direito protegido”, acrescenta.
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