"Hoje e nos próximos anos, vou trabalhar em apoio à libertação das mulheres no mundo, pela mesma liberdade que senti ao chegar ao Canadá", afirmou num breve texto, lido em frente à bandeira canadiana na sede da Costi, a ONG de apoio a refugiados e que se encarregou de a acomodar.

Rahaf disse que a sua fuga "valeu a pena" e espera que o seu exemplo traga atenção para a condição das mulheres na Arábia Saudita. Falando em árabe, as declarações da jovem foram traduzidas para inglês por uma intérprete.

O caso de Rahaf teve repercussão internacional quando a jovem viu negada a entrada na Tailândia, onde tentou fazer escala para seguir viagem para a Austrália, país para o qual tinha um visto turístico de três meses e onde disse procurar asilo.

Para evitar ser detida, a jovem barricou-se no seu quarto num hotel na zona de trânsito do aeroporto de Banguecoque para impedir que os agentes da imigração tailandesa a colocassem num avião, de forma a ser devolvida à sua família e transportada para a Arábia Saudita.

Enquanto se encontrava em reclusão, Rahaf utilizou as redes sociais para alertar a comunidade internacional e para pedir socorro ao Alto Comissariado das Nações Unidas (Acnur), que acedeu à sua solicitação. As autoridades tailandesas acabaram por renunciaram à ideia de deportá-la e a organização facilitou a sua viagem para o Canadá, país que lhe concedeu asilo. Desde sábado, 12 de janeiro, que a jovem iniciou uma nova vida em Toronto.

Em entrevista à emissora canadiana CBC, a saudita de 18 anos explicou na segunda-feira que fugiu para a Tailândia quando estava de férias com os pais no Kuwait para escapar da condição de "escrava" a que a família a tinha submetido.

"A minha família não me tratou respeitosamente e não me permitiu ser eu mesma, nem quem eu queria ser. Na Arábia Saudita, é o mesmo para todas as mulheres, salvo para as que têm pais compreensivos", declarou ontem.

"Sou uma das afortunadas", afirmou, denunciando a falta de liberdade das mulheres na Arábia Saudita, que são "tratadas como escravas" no país islâmico. "Não são independentes e precisam da aprovação do seu guardião (pai, marido ou outro parente) para tudo", acrescentando saber de "mulheres que desaparecem depois de terem fugido e que não puderam fazer nada para mudar a sua realidade".

Para escapar à sua família, Rahaf disse chegar a considerar o suicídio e que o seu maior medo foi que os seus pais a encontrassem depois de fazer a sua fuga. "Fiquei trancada durante seis meses, porque cortei o cabelo", explicou, acrescentando que sofria regularmente "violência física" por parte do irmão e da mãe.

Já no Canadá, a jovem contou ter recebido uma carta da família, na qual foi informada, entre outras coisas, de que tinha sido renegada como filha. Por esta razão, a adolescente pediu para ser chamada apenas de Rahaf Mohammed e, assim, eliminar o seu apelido.

Rahaf já tinha dito à Human Rights Watch que pretendia renunciar ao Islão, o que a colocaria em "grave perigo", segundo a ONG. "Muitas pessoas me odeiam, sejam da minha família, ou da Arábia Saudita em geral", disse a jovem à CNC.

Uma nova vida

Com a ajuda da Costi, Rahaf diz que quer estudar inglês e encontrar um emprego no Canadá. "Quero ser independente, tomar as minhas próprias decisões e decidir eu mesma se um dia me caso e com quem", acrescentou, indicando que quer começar a viver "uma vida normal, como qualquer jovem do Canadá".

"Vamos fazer o possível para que seja assim", declarou à imprensa Mario Calla, presidente da ONG Costi, precisando que haviam sido contratados seguranças para proteger Rahaf Mohamed, que diz ter recebido ameaças pelas redes sociais.

"Sofreu ameaças, renunciou ao Islão, à sua família. Isso assusta-a, está a vivenciar todo o tipo de emoções", acrescentou Calla, qualificando a jovem de "guerreira".

"Eu tive a impressão de que renasci, especialmente quando senti todo este amor e acolhimento", explicou a jovem à CNC, pedindo aos jornalistas para dizer "aos canadenses que eu os amo".

A Arábia Saudita é um dos países mais restritivos do mundo em termos de direitos das mulheres, que estão sujeitas à tutela de um homem. Essa figura masculina pode exercer autoridade arbitrária sobre as mulheres a seu encargo e tomar decisões importantes nas suas vidas.

O caso da jovem ocorreu num período em que os holofotes mediáticos se voltam para a questão do respeito aos direitos humanos no país árabe, meses depois do assassinato do jornalista saudita dissidente Jamal Khashoggi, na Turquia.

Este caso veio tornar ainda mais espinhosa a relação entre o Canadá e a Arábia Saudita, que se agravou depois de Otava ter criticado, em agosto, a situação dos direitos humanos na Arábia Saudita, o que levou Riade a expulsar o embaixador canadiano e a cortar relações comerciais em protesto. O Canadá também irritou Riade ao exigir a "libertação imediata" de vários ativistas de direitos humanos, entre eles Samar Badawi, a irmã do blogger detido Raif Badawi, cuja família vive em Quebec.