A empreitada era "reivindicada pela população há mais de 20 anos" e a sua conclusão definitiva depende apenas da dragagem para o mar das últimas areias antigas depositadas no fundo da lagoa, uma operação que foi suspensa em junho para não perturbar a época balnear, explica o presidente da Câmara Municipal de Ovar, Salvador Malheiro.

"A 15 de setembro retomamos essa parte e fica tudo pronto, mas a recuperação à superfície já está completa e as pessoas podem usufruir plenamente dos novos oito quilómetros de passadiços da barrinha, num percurso circular com três pontes, postos de observação de aves, muitas espécies diferentes e uma paisagem realmente bonita", afirma o autarca.

Considerada uma zona nobre de Ovar em meados do século XX, a barrinha de Esmoriz - também apelidada de Lagoa de Paramos por confinar com essa freguesia do concelho de Espinho - tornou-se um problema nos anos 80, devido à poluição das linhas de água que desaguavam no local.

Essa contaminação devia-se, por sua vez, a descargas industriais com origem nos concelhos de Ovar, Espinho e Santa Maria da Feira, que só a partir dos anos 90 começaram a criar as respetivas redes de saneamento.

Gradualmente, recorda Salvador Malheiro, “essas fontes poluidoras foram desaparecendo, mas mantinha-se a necessidade de limpar a barrinha, cuja recuperação era muito importante para as pessoas - e foi sempre uma prioridade política de todos os partidos - por causa das memórias que toda a gente tinha deste espaço".

"Era aqui que nós aprendíamos a nadar e há fotos antigas que mostram bem como isto era uma zona nobre nos anos 70, com barcos a remo, muita gente a passear e uma vida social muito ativa nos meses de praia", explica.

"Não imaginávamos que fosse possível isto ficar assim outra vez"

Numa visita ao local com a agência Lusa, o presidente da Câmara Municipal, Salvador Malheiro, cruza-se nos primeiros 200 metros com dezenas de caminhantes e há uma expressão que vai ouvindo repetidamente: "Não imaginávamos que fosse possível isto ficar assim outra vez" – livre dos efeitos de anos de descargas poluentes com origem nos concelhos de Ovar, Espinho e Santa Maria da Feira.

Ana Albuquerque Barata é de São João da Madeira, passeava na paliçada que conduz ao posto de observação de aves e, ao encontrar o autarca, diz-lhe: "É comovente ver como isto está hoje. Trabalhei nesta zona como voluntária da Quercus há uns 25 anos, a fazer ninhos para os pássaros poderem nidificar, e partia-me o coração ver os estragos que aqui se fizeram".

Agora, envolvida pela paisagem limpa e deliciada com o coaxar das rãs, afirma: "Isto está maravilhoso. Não pensei que fosse possível ficar assim outra vez".

Joaquim Oliveira e a esposa Conceição vivem em São Paio de Oleiros, na Feira, e admitem que não estavam com calçado próprio para percorrer os passadiços na íntegra, mas também não conseguem evitar os sorrisos rasgados após um percurso pelas primeiras pontes. "Isto faz-me lembrar a minha África", diz ela.

Encantados com os "bandos de pássaros" que identificaram na zona, também não acreditavam que a recuperação fosse viável após "tantos anos de poluição", mas agora prometem fazer do local um roteiro frequente e apreciar a evolução das margens à medida que as árvores recém-plantadas vão crescendo.

"Isto está um espetáculo", avalia Joaquim. "Se me dissessem, eu não acreditava que tivesse ficado um passeio assim bonito", confessa.

Poucos metros depois, aparece ao caminho António Bandeira, que é de Esmoriz e aprendeu a nadar na barrinha, mas está há vários anos emigrado na Áustria e, ao reencontrar a lagoa da sua infância no seu estado atual, gostava de a poder mostrar aos vizinhos desse e outros países.

"Isto está uma coisa luxuosa que eles lá fora não têm", explica. "Ando muitas vezes por França, pela Alemanha, por Espanha, por Itália e pela Bélgica, e não se vê este tipo de percursos em lado nenhum", defende.

A mudança que a sociedade Polis Litoral Ria de Aveiro operou na barrinha com recurso a 4,7 milhões de euros já o levou, por isso, a fazer do novo passadiço um passeio frequente durante o período de férias em Portugal, para namorar com a esposa sempre com vista para o mar.

"Parece impossível como isto estava tão sujo há uns anos", recorda, a abanar a cabeça devagarinho, como que a sacudir a incredulidade. "Nunca esperei que pudesse haver aqui uma mudança tão radical, mas o facto é que valeu a pena esperar: isto está lindo - quem mexeu nisto soube fazer a coisa bem feita", conclui.

Uma empreitada de 2,7 milhões de euros

Prometida por diversos governos, mas sucessivamente adiada devido a complicações relacionadas com o facto de a área integrar a Rede Natura 2000, a requalificação começou a concretizar-se apenas em 2016, mediante um investimento superior a quatro milhões de euros, por parte da sociedade Polis Litoral Ria de Aveiro.

Só a empreitada propriamente dita absorveu 2,7 milhões, que, comparticipados em 85% por fundos comunitários, viabilizaram o desassoreamento da lagoa, a reabilitação do seu dique fusível, a requalificação de margens e cordões dunares e a construção dos novos percursos de lazer.

"A parte mais complexa foi a dragagem dos sedimentos sujos do fundo da barrinha, porque estamos a falar de 272 mil metros cúbicos de lodos e areias, e a tubagem que os aspira e conduz para o mar não foi devidamente dimensionada na fase inicial do processo para cobrir a distância entre o ponto de sucção e o de deposição", avalia Salvador Malheiro.

Quanto à paisagem à superfície, mostra-se agora recuperada e em crescimento, após a plantação de "centenas de novas árvores" no local. A Divisão de Ambiente da Câmara de Ovar realça, aliás, que os 398 hectares da barrinha de Esmoriz e Paramos constituem "a zona húmida mais importante do litoral norte português" e um "relevante local para a biodiversidade", por integrar três habitats naturais de conservação prioritária e ser local de reprodução e paragem de 162 espécies de aves de importância protegida.

Entre essas destaca-se o garçote (Ixobrychus minutus), a garça-vermelha (Ardea purpurea), a águia-sapeira (Circus aeruginosus), o pernilongo (Himantopus himantopus) e o pisco-de-peito-azul (Luscinia svecica), a que se juntam ainda animais em situação vulnerável ou em perigo como a rã de focinho pontiagudo (Discoglossus galganoi), a enguia-europeia (Anguilla anguilla) e o morcego-rato-grande (Myotis myotis).

O Instituto de Conservação da Natureza e da Floresta acrescenta ainda a essa lista a campanulácea (Jasione lusitânica), espécie vegetal endémica dos areais do litoral noroeste "significativamente ameaçada".