O primeiro-ministro, António Costa, anunciou hoje que, na quinta-feira, o Conselho de Ministros irá aprovar uma nova lei de supervisão bancária que, entre outras matérias, fará a separação entre quem faz a supervisão e a resolução de bancos, uma separação já defendida há algum tempo e até pedida pelo Banco de Portugal, que durante anos geriu o Novo Banco ao mesmo tempo que fazia a sua supervisão.

Aliás, o Novo Banco ainda é detido em 25% pelo Fundo de Resolução bancário, gerido pelo Banco de Portugal.

Segundo informação a que a Lusa teve acesso, a proposta da reforma da supervisão financeira cria uma autoridade de resolução, autónoma do Banco de Portugal, que será administrada por cinco membros, dois do banco central, um da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), outro do Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões (ASF) e outro cooptado entre todos no Conselho Nacional de Supervisores Financeiros.

Apesar de, nesta autoridade de resolução de bancos, o banco central ter mais membros do que os outros supervisores financeiros, o diploma impede o Banco de Portugal de decidir sozinho sobre resoluções de bancos.

O diploma deixa ainda claro que a Inspeção-Geral de Finanças pode fiscalizar a gestão financeira do Banco de Portugal, à exceção das ações que estão relacionadas com as funções monetárias, para garantir que não é colocada em causa a sua independência na política monetária.

Esta medida, que põe a IGF a olhar para áreas tão diversas como contratos ou compra de automóveis, por exemplo, terá deixado desconfortável o banco central.

O diploma altera ainda as incompatibilidades e os ‘períodos de nojo’ dos membros de órgãos de administração dos supervisores financeiros.

Assim, será impedida aos administradores a tomada de decisões sobre empresas com que tenham tido relação (vínculo ou relação contratual) nos três anos anteriores ao início do seu mandato e é reforçado para dois anos o período que tem de ser cumprido entre a saída de um administrador de um supervisor e a ida para uma empresa sujeita a esse supervisor.

Este último ponto terá impacto sobretudo no BdP. Em 2017 foi polémica a ida para administrador da Caixa Geral de Depósitos do ex-diretor do Departamento de Supervisão Prudencial do BdP Carlos Albuquerque, seis meses depois de sair do supervisor bancário.

Esta reforma da supervisão financeira reforça ainda o Conselho Nacional de Supervisores Financeiros (CNSF), com personalidade jurídica e recursos próprios, e que fica com a supervisão macroprudencial (que salvaguarda a estabilidade de todo o sistema financeiro e previne riscos sistémicos).

O CNSF terá presidência rotativa entre os três supervisores.

O diploma visa também garantir uma “melhor coordenação entre as diferentes entidades regulatórias do setor financeiro”, dos seguros, da banca e do mercado de capitais, "de forma a haver menos buracos negros e melhor supervisão que permita prevenir repetições futuras dos eventos vários que tivemos ocasião de, infelizmente, testemunhar nestes anos, e que esperemos que estejam definitivamente terminados”, disse hoje António Costa.

A reforma da supervisão financeira faz parte do programa do Governo, de finais de 2015, e logo em 2016 o ministro das Finanças, Mário Centeno, falou da necessidade de lançar uma "reflexão profunda" sobre a supervisão, para que "funcione melhor", tendo em conta que "a experiência recente do sistema financeiro [português] é dececionante".

O tema ganharia fôlego em 2017 com a criação de um grupo de trabalho para fazer propostas de mudanças na supervisão financeira e a abertura de uma consulta pública.

Contudo, desde final desse ano, o processo passou para as Finanças, a quem cabe desenhar a legislação a apresentar ao parlamento, e que esteve em contacto com os supervisores financeiros e o Banco Central Europeu, e só agora vai a Conselho de Ministros para a proposta ser aprovada.

Depois disto, o diploma passa para o parlamento.

O sistema português de supervisão financeira é constituído por três reguladores setoriais - Banco de Portugal (supervisor bancário), Autoridade dos Seguros e Fundos de Pensões (regulador dos seguros) e Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM, regulador dos mercados), que se reúnem periodicamente no Conselho Nacional de Supervisores Financeiros para coordenar as ações e partilhar informação.

Contudo, a relação entre supervisores não tem sido imune a problemas. Isso mesmo ficou vincado sobretudo na resolução do Banco Espírito Santo (BES), uma vez que nem todos tinham a mesma informação do que se passava no banco e da necessidade de uma intervenção pública, e levou a trocas de acusações entre CMVM e Banco de Portugal.

Segundo Mário Centeno, as mudanças em causa não visam reduzir a independência dos supervisores, avisando que não se pode confundir independência com "redução de exigência" ou a não prestação de contas.