Os vendedores da revista são pessoas em situação de sem-abrigo, mas também noutras situação de risco ou exclusão social e recebem diretamente 70% do valor das vendas.
Segundo a presidente da direção da associação Cais, Matilde Cardoso, a revista tem como principal objetivo representar um instrumento de dignidade, do qual os seus vendedores se poderiam orgulhar, contribuindo para a sua autoestima e autonomia e, consequentemente, para a inserção dos vendedores no mercado de trabalho.
Desde a sua fundação, estima-se que já tenham sido vendidos cerca de dois milhões e 600 mil exemplares, apoiando 2.500 vendedores.
Paulo Alexandre Ferreira, 51 anos, cego de um olho e com problemas de coluna, é vendedor da revista Cais há 17 anos e acredita que é graças às vendas que tem conseguido sobreviver.
“Tenho vários problemas de saúde. Era cozinheiro, mas não consegui conciliar. Tem sido assim que tenho conseguido sobreviver”, contou à Lusa.
Costuma vender no Largo do Rato e no Marquês de Pombal, em Lisboa, e a maioria das vendas que faz são a pessoas que já o conhecem.
“Já vendo aqui há muito tempo. As pessoas já me conhecem e fazem questão de me comprar a revista”, acrescentou.
Paulo Ferreira considera que “entrar na associação foi como ver a luz ao fundo do túnel” e que os voluntários “são pessoas de ajudar, com um coração aberto”.
A presidente da associação concordou que os voluntários são em muitas circunstâncias confidentes, apoios, cúmplices e que ajudam muito no desenvolvimento das competências e da autonomia dos que mais precisam.
Paulo Jorge Domingos tem 49 anos, é vendedor da revista nas zonas de Algés e Alvalade, em Lisboa, e, apesar de agora ter uma casa, já chegou a dormir em prédios abandonados no Porto.
Foi quando decidiu dar um novo rumo à sua vida e deixar o álcool, que procurou ajuda através de um amigo que lhe deu a conhecer a associação.
“Em 2017 conheci a Cais, que foi uma grande ajuda para mim. Ir para lá foi a melhor coisa que fiz na minha vida”, contou à Lusa.
Ambiciona fazer mais e melhor e um dia espera arranjar um trabalho na área da restauração.
Vende uma média de 12 revistas por dia, uns dias mais, uns dias menos, mas assume que agora consegue ter uma vida digna.
A Cais surgiu na vida de João Paulo Santos, 46 anos, há cerca de um ano quando resolveu que tinha de se “fazer à vida”.
“Vivia num quarto. Parecia que a minha vida tinha acabado. Chorava sozinho e chegou uma altura que pensei: ‘Se os outros conseguem, porque é que eu não hei de conseguir?’”, questionou.
Com a ajuda da Cais, conseguiu arranjar uma casa que era o seu “sonho” e construir novas perspetivas para o seu futuro.
“As pessoas da Cais abriram-me as portas e deram-me um caminho para fazer e desse caminho já ganhei muitas etapas”, acrescentou João.
Vende cerca de 80 revistas por mês na zona de Alcântara, em Lisboa, e caracteriza-se por atualmente ser uma pessoa mais aberta e comunicativa, capaz de enfrentar os problemas.
“É graças à Cais que estou a melhorar a minha vida. Tenho muito orgulho neste colete e na revista que tenho na mão. Para mim a Cais está no coração”, concluiu.
Para a presidente da associação, os resultados alcançados ao longo dos 25 anos são visíveis, garantindo que a associação desempenha um papel muito importante para várias pessoas.
“Os casos concretos de superação das dificuldades, reforço de competências pessoais e sociais e de reganho de cidadania são a fonte de energia para continuarmos”, disse à Lusa.
O diretor convidado desta edição e fundador da revista em 1994, Rui Marques, disse à Lusa que a escolha dos temas teve como propósito retratar o espírito da Cais: esperança, resiliência e inovação.
“A capa retrata esse olhar, a partir de uma fotografia de João Mariano, fixando a determinação e a vontade dos apanhadores de percebes, independentemente das ondas que os vão fustigando. Os três projetos sociais eleitos para esta edição e as mulheres que os dirigem simbolizam essa fibra e coragem. A memória de Mandela e de Robben Island ou a história de Patch Adams completam a ilustração dessa trilogia que elegemos para celebrar os 25 anos deste projeto”, justificou.
Para Rui Marques, ao longo destes 25 anos a revista Cais conseguiu ir cumprindo vários objetivos, “num desafio que não termina nunca”.
“Fazer mais e melhor para servir as pessoas sem-abrigo, devolvendo-lhes dignidade e esperança, futuro e confiança, continuará a ser uma motivação das várias gerações que continuarão a fazer a Cais”, afirmou.
O diretor convidado da edição de dezembro considera que o facto de a temática das pessoas sem-abrigo estar na ordem do dia, mobilizada pela intervenção do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, é uma força para as organizações continuarem o seu trabalho até que seja necessário.
Em maio de 2017 o Presidente da República foi o diretor convidado da revista, que teve como tema a juventude.
Marcelo Rebelo de Sousa já se tinha associado à Cais, vestindo o colete típico dos vendedores da revista em março do mesmo ano, no dia em que fez um ano da sua tomada de posse.
Em 2018 foram acompanhadas pela Cais 592 pessoas e durante o primeiro semestre deste ano já foram integradas em contexto laboral 56 pessoas.
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