Em declarações à Lusa, Saragoça da Matta lamentou a ideia de alargar o lote de autoridades com poderes para fazer detenções e argumentou que tal se traduziria na criação de mais uma polícia criminal, quando a PM está vocacionada para o exercício de funções de polícia administrativa.
“A ordem quanto às situações de flagrante delito é completamente ‘nonsense’ [sem sentido], porque já resulta da lei. Se é para detenções fora de flagrante delito, então é ridículo, ilegal, inconstitucional e não faz sentido”, disse o penalista sobre a afirmação do autarca lisboeta de que teria ordenado há já cerca de um ano à PM para fazer detenções, esclarecendo depois que a detenção formal continuaria dependente da PSP.
Para o especialista em Direito Penal, a ideia de Carlos Moedas “é uma caixa de Pandora de possível disparate” e teria até implicações nos estatutos e competências da Polícia de Segurança Pública (PSP) e da Guarda Nacional Republicana (GNR).
O advogado sublinhou ainda que, caso as detenções pela PM já estejam a ocorrer há um ano sem entrega imediata a uma autoridade judiciária, então “serão todas ilegais” e geram o direito a pedir indemnização.
O Ministério da Administração Interna (MAI) já se pronunciou sobre a ideia, ao referir que as competências invocadas por Carlos Moedas quanto à PM “estão previstas na lei aplicável”, mas que, “perante as questões suscitadas” pelo presidente da câmara, essa matéria “está a ser analisada do ponto de vista técnico-jurídico”.
Questionado sobre a posição do MAI, decorrente do pedido do autarca para clarificar a lei, Saragoça da Matta teceu duras críticas.
“Fico de cabelos em pé só de ouvir que o MAI está a analisar a estrutura jurídica. A situação é tão clara e evidente… Se forem mudar a lei, vão mudá-la no mau sentido. E a competência para mudar não é do MAI; é da Assembleia da República ou do Governo, mediante autorização legislativa, porque têm de mudar o Código do Processo Penal”, frisou.
Por sua vez, Carlos Melo Alves indicou que esta “é uma questão delicada”, pois implicaria mudar o conceito e as funções da PM, que, segundo a lei, já pode – como qualquer cidadão – deter um suspeito em flagrante delito e pedir de imediato a intervenção de autoridade judiciária. Contudo, foi a eventual intromissão de Carlos Moedas noutras áreas de competência que mereceu mais reparos.
“Mete-me confusão o presidente da Câmara de Lisboa poder dar ordens a polícias e dar poderes a alguém para privar outra pessoa da liberdade, ainda que essa outra pessoa esteja a cometer um crime. São poderes que decorrem exclusivamente da Assembleia da República. Estaria a imiscuir-se na competência dos deputados. Parece-me defensável a posição de que provavelmente o presidente da Câmara está a ir demasiado longe”, explicou o advogado.
Embora admita não conhecer em detalhe a legislação da polícia municipal (sendo que as polícias municipais de Lisboa e Porto têm um regime especial cuja diferença assenta, sobretudo, no recrutamento dentro da PSP), o especialista em direito criminal salientou também que a proposta pode levantar questões em termos de competência territorial.
De acordo com a legislação em vigor, a Polícia Municipal “é um serviço municipal especialmente vocacionado para o exercício de funções de polícia administrativa”, que tem, sobretudo, competências de fiscalização.
Apesar de não ser um órgão de polícia criminal, como Polícia Judiciária, GNR ou PSP, a Polícia Municipal tem atribuída a competência para “detenção e entrega imediata, a autoridade judiciária ou a entidade policial, de suspeitos de crime punível com pena de prisão, em caso de flagrante delito, nos termos da lei processual penal”.
Comentários