"Como sabem, a senhora juíza de Instrução decidiu hoje que o processo em que fui acusado deve ser submetido a julgamento. Fê-lo entendendo que essa seria a sede processual adequada para se apurar o que consta da acusação e que eu sempre refutei. Nada de novo resulta, portanto, desta decisão", começou por dizer Rui Moreira numa comunicação dirigida aos portuenses após ter sido divulgado que o autarca terá de ir a julgamento na sequência do caso Selminho.

O Presidente da Câmara Municipal do Porto afirmou que "esta decisão não me deu nem me tirou razão", sublinhando que "pura e simplesmente remeteu a discussão para outro momento e para outros juízes".

"É uma decisão que naturalmente lamento , pois sei que a acusação não tem qualquer fundamento e por isso procurei evitar o prolongamento do processo sem recorrer a qualquer expediente dilatório, entendendo que o mesmo tinha custos desnecessários já que, tal como há quatro anos, estamos perante um processo que surge em véspera de eleições", referiu.

Salientando que o processo continua a "ser completamente destituído de fundamento", Rui Moreira disse que é "absolutamente inequívoco" que não teve "qualquer participação em qualquer processo em que estivesse envolvida a família", frisando ainda que não tomou "direta ou indiretamente, ou por qualquer interposta pessoa, qualquer decisão que alterasse a posição do município em qualquer processo judicial". O autarca acrescentou também que tudo o que diz respeito ao município com a sociedade Selminho teve início em 2006 e o processo judicial entre o município e a Selminho teve o seu início em dezembro de 2010, antes do início do seu mandato.

"A posição do município foi definida nessa altura e nunca foi por mim alterada. Não mudei o advogado da Câmara, nem mudei qualquer diretor ou técnico municipal que lidou com o assunto. Até a vereadora que interveio já ocupara esse cargo executivo no mandato anterior ao meu", afirmou.

Num tom visivelmente emocionado, Rui Moreira disse considerar "um insulto e uma infâmia que se possa sequer a hipótese de eu poder ter beneficiado a minha família (...) num assunto, como toda a gente sabe, a minha família acabou por perder os terrenos a favor da Câmara e isso sucedeu exatamente neste meu mandato", para depois evocar o pai que faria hoje 90 anos: "sofreu na pele uma perseguição terrível, venceu sem nunca se ter vitimado, sem nunca ter perdido amor pela cidade e pela cidadania ativa. É a memória dele e da sua coragem que me inspira. É por isso que estou sentido neste dia em particular".

Garantindo que não irá ignorar a existência do processo, o autarca sublinhou que "este processo não interferirá na avaliação sobre a minha recandidatura a Presidente da Câmara Municipal do Porto".

"Isso seria uma traição a tudo aquilo em que acredito bem como aqueles que sempre me apoiaram e têm estado ao meu lado. (...) Desiludam-se pois os que pensam que este processo me afasta de continuar a lutar pela cidade que amo sempre na defesa dos altos valores que nos caracterizam. Tal como muito portuense sou cioso da minha integridade e do meu bom nome que tentam vilipendiar", afirmou.

O que está em causa?

Segundo a acusação do Ministério Público, após tomar posse como presidente, em outubro de 2013, Rui Moreira determinou que o município alterasse a posição jurídica e/ou urbanística “que vinha sucessivamente adotando, quer nos litígios judiciais, quer nos procedimentos administrativos, relativamente à pretensão” da Selminho, imobiliária da família do presidente da Câmara do Porto, de construir num terreno na escarpa da Arrábida.

“Tal alteração de posição foi motivada pela intenção de beneficiar a sociedade comercial de que era sócio com os familiares; e que se concretizou na assunção pelo município, em transação judicialmente homologada em setembro de 2014”, refere a acusação.

A transação foi realizada “sem qualquer autorização da Assembleia Municipal, do compromisso de diligenciar, nomeadamente durante a revisão do Plano Diretor Municipal (PDM), pela alteração da qualificação do solo do terreno, de modo a que esta pudesse aí construir, e na aceitação de submeter a um tribunal arbitral a fixação de uma indemnização devida à sociedade comercial caso as alterações ao plano diretor municipal não fossem efetuadas”.

No acordo de 2014, no primeiro mandato do independente, o município assumiu o compromisso de devolver capacidade construtiva àquele terreno, na Calçada da Arrábida, no âmbito da atual revisão do PDM, ou recorrer a um tribunal arbitral para definir uma eventual indemnização à imobiliária.

No centro da disputa estava um terreno na escarpa do Douro, vendido por um casal que, em Montalegre, o registou por usucapião à imobiliária Selminho, em 2001, e que o tribunal considerou ser propriedade municipal, na sequência de uma ação movida pela autarquia em 2017.

Este processo foi iniciado após ter sido divulgado que um técnico da autarquia concluiu serem municipais 1.661 dos 2.260 metros quadrados apresentados pela Selminho para construção na escarpa da Arrábida.

Em maio, o Supremo confirmou a decisão do Tribunal da Relação do Porto, julgando improcedentes os recursos apresentados pela Selminho e pelo casal que em 2001 vendeu à empresa um terreno na Arrábida.

Em outubro de 2019, o Tribunal da Relação do Porto confirmou a decisão da primeira instância que, em janeiro desse ano, julgou “nula” a escritura de venda de 2.260 metros quadrados na Arrábida por um casal à Selminho, ordenando o “cancelamento” da sua inscrição na Conservatória do Registo Predial.

No debate instrutório, realizado em 29 de abril, o Ministério Público defendeu que Rui Moreira fosse a julgamento, reiterando que, enquanto presidente do município, agiu em seu benefício e da família, em prejuízo do município, no negócio dos terrenos da Arrábida. Isto, num conflito judicial que opunha há vários anos a câmara à empresa imobiliária (Selminho), que pretendia construir num terreno na escarpa da Arrábida.

A defesa de Rui Moreira, acusado de prevaricação, em concurso aparente com um crime de abuso de poder, incorrendo ainda na perda de mandato, requereu a abertura de instrução, fase facultativa que visa decidir por um Juiz de Instrução Criminal se o processo segue e em que moldes para julgamento.

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