‘Herói’ para uns, por expor na Internet alegadas práticas ilícitas e potenciais esquemas de evasão fiscal por grandes nomes e instituições do futebol, ‘vilão’ para outros, por ter acedido ilegalmente a sistemas informáticos privados: assim é a polarização mediática criada em torno de um jovem de 31 anos que frequentou na Universidade do Porto a licenciatura em História e se fez autodidata ao nível dos conhecimentos de informática.

O ‘caso Rui Pinto’ não tem paralelo na história recente da justiça portuguesa e provocou um debate internacional sobre o conceito de ‘whistleblower’ (denunciante) e o equilíbrio entre o direito à reserva de pessoas e empresas e o alegado interesse público nas informações obtidas através da plataforma Football Leaks.

Hoje, dia em que começa o seu julgamento, começará também uma operação de segurança para manter Rui Pinto seguro. De acordo com o Público, a PSP não deu quaisquer informações sobre o processo, mas há coisas que se podem prever.

Segundo declarações ao jornal de uma fonte policial com conhecimento pormenorizado sobre a unidade, a PSP tem um conjunto de estratégias para que Rui Pinto "passe despercebido". Apesar disso, o caso do denunciante português é delicado, devido ao número de potenciais ameaças e interesses colocados em causa com as revelações que foram surgindo.

Por isso, manter o pirata informático seguro pode parecer um filme de ação: poderão ser utilizados carros falsos para o seu transporte e disfarces, chegando ao tribunal em horários inesperados. Por perto estarão certamente agentes e viaturas descaracterizados, assim como armamento pesado para neutralizar qualquer ameaça — numa operação de maior risco podem mesmo ser utilizados atiradores furtivos.

A forte operação de segurança já é visível a quem passa junto ao Tribunal Central Criminal de Lisboa, no Campus da Justiça, onde às 09:30 começa o julgamento.

Além dos muitos agentes de várias forças especiais da PSP, estrategicamente colocados em diversos pontos do Campus de Justiça, encontram-se à porta do edifício onde decorrerá a primeira sessão do julgamento mais de três dezenas de profissionais de comunicação, colocados numa área restrita e delimitada.

Devido a questões de segurança e às regras sanitárias impostas pela pandemia de covid-19 o número de jornalistas autorizados a entrar na sala é reduzido, pelo que os profissionais optaram por elaborar uma lista, mediante a ordem de chegada, que ditará a entrada.

O primeiro jornalista inscrito na lista chegou ao Campus da Justiça às 04:30 para garantir um lugar na sala de audiências, onde só poderão marcar presença dez profissionais de comunicação.

Os jornalistas que não conseguirem entrar na sala poderão assistir à sessão numa sala de um outro edifício do Campus de Justiça, em sistema de videoconferência.

E tudo isto porque o caso apresenta uma complexidade que assim o obriga. 

O caso Rui Pinto

A defesa do criador do site - a cargo dos advogados William Bourdon (que já representou denunciantes como Edward Snowden ou Antoine Deltour), Francisco Teixeira da Mota e Luísa Teixeira da Mota – invoca na sua argumentação a inclusão do arguido sobre a proteção de denunciantes, um regime sobre o qual o Parlamento Europeu aprovou uma diretiva em abril de 2019 e que o Estado português tem ainda de transpor para a legislação nacional.

Esta legislação - a primeira a nível europeu sobre a proteção dos denunciantes – aplica-se às pessoas que pretendam alertar para eventuais violações do direito da União Europeia em vários domínios, incluindo o branqueamento de capitais, a fraude fiscal, a contratação pública, a segurança dos produtos e dos transportes, a proteção do ambiente, a saúde pública, a proteção dos consumidores e a proteção dos dados pessoais.

A sustentar a tese dos representantes de Rui Pinto - na qual o interesse público das informações reveladas supera a gravidade dos alegados ilícitos cometidos - está a colaboração com as autoridades judiciais de França, Bélgica e Países Baixos na condição de denunciante até à sua detenção, e que foi confirmada pelo Eurojust, a Unidade Europeia de Cooperação Judicial, com o fornecimento de informações e documentos que tinha em sua posse.

Paralelamente, na lista de 45 testemunhas arroladas pelo jovem português figuram vários nomes sem ligação conhecida aos factos que constam no processo, mas que poderão relevar o interesse público das informações expostas. Entre as testemunhas destacam-se o denunciante norte-americano Edward Snowden, a ex-eurodeputada Ana Gomes, o diretor da Polícia Judiciária (PJ), Luís Neves, ou o jornalista e ativista angolano Rafael Marques.

Por outro lado, há a acusação do Ministério Público (MP), que se opôs ainda à libertação de Rui Pinto em 07 de agosto, depois de estar em prisão domiciliária desde 08 de abril de 2020 e de mais de um ano de prisão preventiva. A procuradora Marta Viegas, a magistrada do MP que estará presente no julgamento, defendeu a manutenção da medida de coação de permanência na habitação, com proibição de aceder à Internet e a dispositivos que o permitam.

Em causa estaria o artigo 204.º do Código de Processo Penal, que prevê perigo de fuga, perigo para a conservação ou veracidade da prova, perigo de continuação da atividade criminosa ou perturbação grave da ordem e tranquilidade públicas como motivos para fundamentar a privação de liberdade. Contudo, a juíza Margarida Alves justificou a libertação com a “contínua e consistente colaboração” com a PJ e o “sentido crítico” do criador do Football Leaks.

Rui Pinto começa a ser julgado em 04 de setembro por 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.

Aníbal Pinto, advogado de Rui Pinto à data dos factos, será julgado pela tentativa de extorsão à Doyen.

Rui Pinto, criador da plataforma Football Leaks e também responsável pelo processo Luanda Leaks, em que a angolana Isabel dos Santos é a principal visada, está em liberdade, encontrando-se agora inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial, por questões de segurança.

No início de junho, o Tribunal da Relação de Lisboa negou provimento ao recurso do MP e manteve a decisão instrutória, proferida em 17 de janeiro, que pronunciou (levou a julgamento) Rui Pinto por 90 crimes e não pelos 147 que constavam da acusação do MP.

Em setembro de 2019, o MP acusou Rui Pinto de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da Federação Portuguesa de Futebol e da Procuradoria-Geral da República (PGR).

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