"O filme tem um sentido de urgência enorme, dialoga com a realidade, com um processo de destruição e de gentrificação das cidades que está em curso, não só em Portugal como noutros países", afirmou João Salaviza à agência Lusa.
O realizador português, que se divide atualmente entre o Brasil e Portugal, rodou esta curta-metragem com o brasileiro Ricardo Alves Jr., no verão passado num bairro de habitação social, no âmbito de uma residência artística a convite da autarquia do Porto.
Contra "a narrativa política e mediática de que o bairro do Aleixo é perigoso", os dois realizadores entraram com a intenção de conhecer as histórias de quem lá habita, em particular a de uma mulher, conhecida como Russa, protagonista do filme.
O bairro foi erguido em 1974 com cinco torres de habitação social, mas em 2011 começou um processo de demolição que levou à destruição de duas torres.
"É um bairro incrível; o que as câmaras têm mostrado até agora são esterótipos. Há histórias do bairro que têm de ser contadas pelas próprias pessoas. Há uma consciência histórica do bairro, um sentido de comunidade super forte, famílias que se conhecem há várias gerações", explicou João Salaviza.
Esta será a terceira vez que João Salaviza compete pelo Urso de Ouro em Berlim, depois de ter vencido em 2012 este prémio com a curta-metragem "Rafa", e de ter sido selecionado em 2017 com "Altas cidades de ossadas".
Salaviza espera que a presença do filme em Berlim dê mais visibilidade a questões subjacentes à vida atual do bairro do Aleixo, em processo de decadência por razões de especulação imobiliária.
"Há essa ideia da destruição que está a acontecer nas cidades, que deixaram de ser espaço de trânsito de ideias e pessoas, para serem de trânsito de dinheiro", lamentou.
O Festival de Cinema de Berlim, que começa hoje, tem na competição das 'curtas', além de "Russa", os filmes "Madness", de João Viana, e "Onde o verão vai (episódios da juventude)", de David Pinheiro Vicente, e outros três filmes estão no programa "Fórum".
João Salaviza considera incrível que o cinema português, "que é uma migalha ao lado do que se produz em França, Inglaterra ou Estados Unidos", tenha ganhado, nos últimos anos, uma maior cobertura em festivais internacionais.
Só em Berlim, em anos recentes, o cinema português recebeu o Urso de Ouro por três vezes, com curtas-metragens de João Salaviza, Leonor Teles e Diogo Costa Amarante, que é este ano membro do júri.
"Se se olhar para os filmes portugueses selecionados este ano, não há assim tantos pontos de contacto entre eles, há vozes e olhares muito diferentes. Não olhamos para o mundo com os mesmos olhos", disse.
Enquanto "Russa" tem estreia internacional em Berlim, João Salaviza está a finalizar o filme documental "Chuva é cantoria na aldeia dos mortos", correalizado com Renée Nader Messora, que deverá estrear-se no final deste ano.
O realizador prepara ainda a segunda longa-metragem de ficção, que será rodada no Brasil, inspirada em factos reais, a partir da descoberta de um dossier com informações de casos de tortura em aldeias de povos indígenas, durante a ditadura militar, nas décadas de 1960 e 1970.
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