“Creio mesmo que o avanço da extrema-direita da Europa é uma doença, é uma doença que progride, que enfraquece e que pode ser fatal para a democracia liberal com o forte cunho social que é a democracia europeia”, declarou Augusto Santos Silva.
O presidente da Assembleia da República discursava na conferência “Não passarão! O imperativo do combate aos extremistas de direita!”, que decorreu hoje no ISCTE, em Lisboa, e que foi organizada pelo PS em conjunto com a Fundação Europeia para os Estudos Progressistas (FEPS) e o Instituto Karl-Renner.
Neste discurso, Santos Silva quis propor “dez remédios eficazes” para travar a “doença” do extremismo de direita e procurar “curar as sociedades do seu vírus”.
Como primeiro remédio, o presidente do parlamento destacou que o foco do combate deve estar “claramente na extrema-direita”, tanto devido a uma “razão tática” – “é a extrema-direita e não a extrema-esquerda que está a crescer” -, mas também por considerar que a equivalência entre os extremismos de esquerda e de direita “é falsa”.
“A extrema-esquerda não pratica a xenofobia, não usa o ultranacionalismo, não usa a homofobia, não nega as regras democráticas, não é anti-pluralista, não é antirracionalista, e portanto não é possível estabelecer nenhuma espécie de equivalência entre os dois extremos”, sustentou.
Apesar disso, Santos Silva sublinhou que também não se deve ignorar “o populismo que alimenta a extrema-direita”, salientando que esse tipo de movimento está presente em vários movimentos que “praticam violência urbana” e “degradam o uso das greves”, apagando “as fronteiras com a extrema-direita” e permitindo “a circulação entre os dois extremos”.
No que se refere ao papel que a “esquerda democrática” deve desempenhar no combate à extrema-direita, o presidente do parlamento preconizou que essas forças partidárias devem ser “intransigentes” com os extremismos de direita.
“Essa demarcação clara da esquerda democrática face à extrema-direita, contrasta, em vários países europeus e incluindo em Portugal, com a tolerância e até alguma cumplicidade que a direita democrática, a direita clássica ou o centro-direita, vem manifestando para com a extrema-direita”, sublinhou, numa alusão ao PSD, a que nunca se referiu explicitamente.
O presidente do parlamento considerou que a esquerda democrática deve “denunciar o populismo onde quer que ele exista” e, numa ‘farpa’ ao Partido Socialista francês – que, nas últimas eleições legislativas francesas, se coligou com o partido radical de esquerda França Insubmissa -, considerou que, “sempre que a esquerda democrática dilui a sua autonomia política em qualquer amálgama de insubmissos, está a perder terreno face à extrema-direita”.
Apesar deste denuncia do populismo, Santos Silva defendeu que o combate “intransigente” com os “líderes e as forças políticas extremistas” não deve significar que se deva igualmente combater o seu eleitorado.
“Uma grande parte da força do extremismo hoje vem de perceções e de sentimentos populares de medo, de insegurança, de frustração, e esses sentimentos não podem ser negados e têm de ser compreendidos”, defendeu.
Perante estes receios dos cidadãos, o presidente do parlamento apelou ainda a que a esquerda se mantenha “coerente” e não abdique “das causas e valores que são fundacionais”, como a “economia social regulada de mercado”, o “crescimento para a distribuição”, a “fiscalidade progressiva” ou o “cosmopolitismo”.
“São valores constitutivos da esquerda democrática que não devem estar sujeitos a nenhum efeito de moda, mesmo que a moda conjunturalmente possa ser a ‘flat rate'”, referiu, numa alusão a uma medida da Iniciativa Liberal.
Simultaneamente, Santos Silva apelou a que a esquerda democrática não abandone o seu eleitorado tradicional – citando setores como os pensionistas, os “operários industriais” ou os agricultores -, e alertou que, caso esses segmentos sejam abandonados, o mais provável é juntarem-se à extrema-direita, que “os manipula”.
Por outro lado, o presidente do parlamento pediu ainda que os partidos de centro-esquerda não “se deixem erodir nem comandar pelas guerras de trincheira entre identidades”.
Abordando depois o papel que as instituições democráticas devem ter no combate ao extremismo de direita, Santos Silva defendeu que é necessário ser “frontalmente contrários a qualquer espécie de judicialismo” ou “pulsão de pensar que os males da política se resolvem fora da política”.
Numa alusão aos casos do Governo, Santos Silva defendeu que se deve “julgar os ministros pelas políticas que eles realizam” e devem-se julgar “os partidos políticos pelo resultado das políticas que eles defendem”.
“Nós devemos combater-nos uns aos outros pelas ideias, e não por esta lógica de tentarmos descobrir a roupa suja que, entre outras coisas, é uma atividade muito pouco higiénica e muito pouco respeitadora dos outros”, disse, provocando risos entre a plateia.
Num último remédio, Santos Silva pediu ainda que as forças democráticas tenham uma “presença assídua em todos os veículos de mediação na sociedade civil”, procurando designadamente “influenciar” tanto os “velhos ‘media'” como as redes sociais.
“Foram estes remédios que eu consegui encontrar contra o aumento da extrema-direita, e devo confessar (…) que eles me parecem bastante eficazes”, concluiu.
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