O Santuário de Fátima reagiu às declarações do ex-reitor Luciano Guerra, através de um comunicado enviado ao SAPO24, após entrevista em que critica a evolução do templo mariano, as dispensas de funcionários durante a pandemia, o programa mais "intelectual" do espaço e os elevados salários de padres, que, diz, não podem ser equiparados a um "administrador de uma empresa".

"A atual Reitoria do Santuário de Fátima respeita o passado e a obra deixada por Monsenhor Luciano Guerra que, ao longo dos 35 anos de reitorado, deu corpo a uma política de investimentos que passou sobretudo pela construção de grandes espaços celebrativos, que hoje cabe administrar e conservar com o mesmo empenho com que foram construídos – apesar das críticas, à época e de hoje, consumirem grande parte dos recursos orçamentais –, porque sabemos da sua importância para o acolhimento dos peregrinos e para lhes proporcionar um verdadeiro ambiente de oração", pode ler-se no comunicado.

Segundo o Santuário, o seu papel, "ontem como hoje", é "acolher os peregrinos, difundir a mensagem de Fátima e zelar pelo cuidado dos mais frágeis", pontos que procura "cumprir com rigor e zelo evangélico, como não poderia deixar de ser".

"Essa missão fundamental não exclui, antes exige, uma gestão profissional, adaptada às exigências de hoje, sempre comprometida com o bem comum e com a dimensão social", é referido.

Segundo o Santuário, o que aconteceu em tempo de crise?

O Santuário defende que "tem uma longa história, marcada por vários períodos e, concretamente depois de 2008, não ficou imune ao contexto da Igreja e muito menos às sucessivas crises financeiras e económicas que se sucederam, com particular destaque para as dificuldades criadas pela pandemia, nos últimos dois anos, e pela guerra; situações ímpares, nunca antes vividas".

Nesse sentido, o Santuário defende que "nunca deixou de cumprir qualquer obrigação, desde logo com os seus funcionários: não despediu nem forçou a saída de qualquer colaborador, apenas adaptou o seu quadro de pessoal às necessidades pastorais resultantes de um novo contexto, que obrigou a uma redução muito significativa da atividade do Santuário em 2020, que se prolongou ainda durante o ano de 2021 e que só este ano de 2022, felizmente, começou a ser retomada".

No comunicado enviado, é ainda clarificado que em 2020, "ano mais difícil da história da instituição", "as 57 desvinculações verificadas referiram-se a 16 revogações de contrato por mútuo acordo, por iniciativa do próprio trabalhador; 20 cessações de contrato no seu termo, dos quais 9 eram estudantes; 17 rescisões por iniciativa do trabalhador e 4 aposentações por velhice".

"Neste período, particularmente difícil para as famílias e para a Igreja, o Santuário nunca faltou, por outro lado, com a correspondente ajuda social, incrementando e intensificando o apoio material a quem dele mais precisava e à Igreja em geral", é ainda explicado.

Relativamente às contas da instituição, apresentadas em março deste ano, é referido que "revelam que apesar da diminuição drástica de receitas entre 2020 e 2021, estão equilibradas, fruto de uma gestão criteriosa, e em nenhum momento esteve em causa o cumprimento de qualquer obrigação financeira do Santuário ou sequer a sua suficiência económica".

Uma questão de evolução — e a crítica ao ex-reitor

Frisando que "a administração está sempre ao serviço da missão pastoral do Santuário" e que são procuradas "estratégias para uma maior eficiência da sua ação e para uma otimização dos seus recursos, sem nunca pôr em causa o acolhimento dos peregrinos, o respeito pelo destino dos bens doados e o apoio aos mais pobres e vulneráveis", o Santuário garante que "é assim que tem sido, e assim continuará a ser".

Em referência mais direta à entrevista dada pelo antigo reitor, Monsenhor Luciano Guerra, o Santuário aponta que as declarações dizem respeito "a uma opinião, que resulta de uma leitura pessoal, que respeitamos, feita a partir da sua realidade atual, onde se nota um alheamento do que é hoje o Santuário no contexto da Igreja e do mundo, que carece de fundamentação, e revela um profundo desconhecimento da atual gestão do Santuário e dos desafios com que se confronta".

"Revela, além disso, uma grande contradição entre aquela que foi a ousadia do então Reitor, Monsenhor Luciano Guerra, que durante 35 anos nunca deixou que o Santuário cristalizasse na sua ação pastoral e procurou que fosse sempre evoluindo, mas que agora manifesta total oposição a toda a evolução verificada desde 2008", é ainda apontado.

"O mesmo se pode dizer da pretensa 'intelectualização' da pastoral do Santuário, pois Monsenhor Luciano Guerra foi um homem de cultura, que convidou alguns dos mais reputados artistas nacionais, e até internacionais, a interpretar a mensagem e a materializá-la em obras de arte e iniciou os congressos internacionais que reuniram na Cova da Iria grande parte dos teólogos pensadores da contemporaneidade. O Santuário não esquece e valoriza este seu precioso contributo", completa.

Segundo o Santuário de Fátima, "em mais de um século de história", a Cova da Iria "experimentou muitas dificuldades e saiu sempre mais forte, apesar das opiniões e da vontade dos homens. E os peregrinos são os primeiros a testemunharem esta fé, esta  confiança. A nós cabe-nos acolher, escutar e gerir da melhor forma a expressão material desta confiança".

Quais as críticas de Luciano Guerra?

Monsenhor Luciano Guerra, que foi reitor durante 35 anos, tendo deixado o cargo em 2008, considera, em entrevista ao semanário Jornal de Leiria, que, depois de nos seus mandatos a “prioridade” ter sido “os peregrinos em geral, os quais podem considerar-se pobres, a classificação humana que mais convém aos filhos de Deus”, hoje a situação é diferente.

“No atual programa do Santuário, o fito primário mais explícito são os intelectuais” e “a dedicação total à intelectualidade não deixa espaço para a dedicação aos pobres”, afirma.

Na entrevista, em que assume um tom muito crítico para com a atual gestão do maior templo mariano do país, Luciano Guerra reforça que “prevalece a intelectualidade e a arte. Em plano secundário fica a grande massa de peregrinos, gente simples pobre e humilde, a gente que, na realidade, Nossa Senhora convida para vir a Fátima”.

“Fez-se uma esplendorosa celebração do centenário [das aparições, em 2017]. Houve muita música e outras manifestações artísticas. Fazem-se ainda hoje exposições maravilhosas, mas que a meu ver ficam demasiado caras e, até por isso, de resultado pastoral menos evidente. O peregrino que vem a Fátima não precisa senão de um ambiente de oração”, acrescenta.

Outra crítica deixada pelo sacerdote refere-se aos alegados elevados salários pagos no Santuário, com Luciano Guerra a afirmar que “um padre é um padre. Não pode, de maneira nenhuma, comparar-se a um administrador de uma empresa, mesmo que os leigos que o sacerdote dirige recebam salário superior”.

O ex-reitor deixa, ainda, o lamento pela forma como foram admitidos ou dispensados alguns funcionários no Santuário nos últimos anos.

“Houve trabalhadores que praticamente foram expulsos, a vários outros (…) teve a instituição de pagar altas indemnizações; outros saíram e calaram-se, com receio de retaliações. Quase de rompante, foram admitidos mais de 130 novos funcionários, numa casa que tinha 210. Houve uma série de pessoas que foram empurradas para sair”, refere o antigo responsável pelo Santuário.

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