“Quando os doentes são submetidos à cirurgia melhoram muito os sintomas na fase inicial. É como se fosse um período de lua-de-mel. Mas é um período transitório e, ao fim de duas semanas, a doença volta e é preciso ligar a estimulação e retomar a medicação. Não sabemos o que se passa neste período inicial em que o doente melhora muito e a ideia é estudar estudá-lo para podermos, no futuro, repeti-lo”, explicou, à Lusa, o médico Manuel Pinto.
Médico do serviço de neurocirurgia da Unidade Local de Saúde do São João (ULSSJ), Manuel Pinto foi distinguido com o 2024 Research Fund [bolsa de investigação] da Sociedade Europeia de Neurocirurgia, pelo projeto “Electrophysiological characterization of the microlesion effect after deep brain stimulation in patients with Parkinson’s disease” que, em português, significa “caracterização eletrofisiológica do efeito de microlesão após estimulação cerebral profunda em pacientes com doença de Parkinson”.
Esta bolsa — que foi pela primeira vez atribuída a um projeto português — permitirá estudar as ondas de atividade cerebral de doentes com Parkinson, submetidos a cirurgia de estimulação cerebral profunda (DBS).
Na prática, será utilizada uma tecnologia recente de elétrodos implantados em regiões cerebrais profundas que, para além de estimularem o cérebro, têm a capacidade de captar e registar as ondas de atividade cerebral dos pacientes, de forma contínua, de segundo em segundo, desde o dia em que são implantados e durante a sua vida quotidiana.
Elétrodos são fios elétricos que são implantados no cérebro e atuam no núcleo subtalâmico, área envolvida na forma como controlamos os movimentos do corpo que está alterada na doença de Parkinson.
Esta nova tecnologia foi pela primeira vez usada no São João em 2020, mas só após 2023 começou a ser utilizada de forma mais rotineira.
É um estimulador com várias vantagens face aos anteriores porque é mais pequenino, menos incómodo, e a bateria dura mais, por exemplo.
“Além de estimular o cérebro, também regista a atividade cerebral que está a acontecer à volta do elétrodo. Conseguimos medir a atividade cerebral do neurónio e registamo-la de uma forma contínua”, explicou Manuel Pinto que trabalha no serviço de neurocirurgia da ULSSJ desde 2015 e fez doutoramento na Suíça na área de circuitos cerebrais que controlam o movimento.
Este projeto vai decorrer na ULSSJ com a colaboração dos serviços de Neurocirurgia e de Neurologia e do i3S – Instituto de Investigação e Inovação em Saúde, grupos de Neuroengenharia e Neurociência Computacional.
A atribuição desta bolsa de investigação acontece desde 2017 e já financiou 58 projetos.
Segundo Manuel Pinto, estudos internacionais estimam que mais ou menos 10% dos doentes com Parkinson seriam candidatos e beneficiariam de tratamento com cirurgia.
Desenvolvido pela equipa do São João que teve acesso a dados nacionais, foi feito recentemente um estudo estimativo que mostra que Portugal só está a operar um terço dos doentes que deveria operar.
“Deveríamos fazer mais cirurgias do que as que fazemos”, lamentou o médico que atribui esta realidade ao desconhecimento da população e de “alguma comunidade médica, nomeadamente à que está mais longe dos grandes centros hospitalares”, bem como aos receios, porque “meter fios elétricos no cérebro pode parecer coisa de ficção científica”.
“Há estudos que mostram que há pessoas que sobrevalorizam os riscos reais riscos da cirurgia. Esta cirurgia tem um perfil de segurança bastante elevado. Aqui temos capacidade de resposta para mais mas só conseguimos tratar os que nos chegam”, sublinhou.
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