Em entrevista à Lusa, Poças Martins reconhece que a situação “é preocupante” e que “é muito possível que venha aí uma seca muito severa, tão severa como algumas das mais graves, como em 1995 ou 2005”.

Ainda assim, considera que “a seca não é problema nenhum, não tem solução. Sempre houve e sempre haverá, mas o problema não é a seca, o problema é a escassez”, exemplificando que no deserto Saara “há seca sempre, mas não há escassez, porque não há pessoas”.

É por isso que acredita que se está “a tentar solucionar o problema errado” e cita o exemplo do terramoto de 1755 em Lisboa, e da resposta do Marquês de Pombal à situação, que defendeu: “enterremos os mortos e salvemos os vivos”.

“Não podemos estar de dois em dois anos em regime de terramoto, e não estamos, porque, quando estamos a falar em seca, quase 9,9 dos 10 milhões de portugueses não sentem a seca, porque vivem em cidades onde há água em todo o lado”.

Isto acontece porque desde os anos 1990, altura em que foram criadas a Águas de Portugal e outras estruturas semelhantes, "foi-se escolher sítios onde não faltava água e fizeram-se sistemas”.

Esse investimento faz com que não falte hoje água nas torneiras, ao contrário do que aconteceu em 1995, no Porto, lembra.

A escassez afeta a agricultura, refere, mas “também há ilesos, que são os agricultores que, citando ‘Os Três Porquinhos’, construíram a casa no sítio certo”.

“Escolheram sítios que têm sempre água, investiram, escolheram as culturas certas, adequadas ao sítio e à água. Temos exemplos em Portugal de agricultores que estão imunes à seca e associações de regantes, porque em Portugal temos muitos agricultores pequeninos, que se reúnem e aproveitam investimentos do Estado que foram feitos há uns anos, que gerem bem o que têm, não vão para além das posses e se autorregulam”, concretiza.

Tudo isto é explicado pelo “problema clássico da economia que é a tragédia dos bens comuns, que, utilizados por todos, ‘sem dono’, são exauridos”.

Por isso, insiste que “as forças da natureza nunca ninguém as venceu, e não adianta nada ser contra a chuva e contra a seca”.

“O clima está a mudar e é trágico continuar a dar as mesmas respostas quando as perguntas mudaram”.

Fazer mais barragens “pode ajudar, mas não é a solução, porque já não há muitos sítios para as construir. Por outro lado, custam muito dinheiro, e os lucros da agricultura não permitem pagar essas barragens”.

Acresce que, quando a chuva é cada vez mais escassa, “construir barragens que não enchem não é solução”, frisa o professor universitário.

Para a agricultura, a solução é semelhante à que se arranjou para o abastecimento de água para consumo público: “poupar, planear e investir bem”.

“A engenharia tem muita coisa a oferecer, há países que gerem muito bem as águas, e têm uma coisa muito simples – há uma regra, que é: aquilo que não se mede nem se paga, não se poupa. Nas casas, medimos e pagamos, os agricultores têm de ter uma regra semelhante”.

O princípio do utilizador pagador incentiva um uso mais responsável de um bem que começa a escassear para a agricultura, mas também do lado da oferta há soluções, e elas passam pela “dessalinização e reutilização” de águas residuais, reitera o especialista.

Poças Martins admite que, “infelizmente, a reutilização das águas das cidades para os campos pode não resolver o problema, porque é demasiado longe e demasiado pouca, mas, objetivamente, a reutilização e a dessalinização estão aí e vão ser grande parte da solução”.

Uma solução que, “aos preços atuais, ainda não é possível para toda a agricultura, mas já é para alguns”, e pode até ser subsidiada na sua implementação.

Insiste, por isso, que “vai ser essencial adaptar as culturas às novas épocas” e que não se pode “ajudar de dois em dois ou três em três anos quem não se quis adaptar”.

A “agricultura privada, intensiva, é que recebe os subsídios”, aponta, lembrando que “Portugal tem um PIB [Produto Interno Bruto] de [cerca de] 20 mil euros pessoa, que são 200 mil milhões de euros, e a agricultura representa 3%”.

Esses seis mil milhões de euros “estão nos frutos, depois nos hortícolas, depois no vinho e só muito atrás nos cereais” e “quem gasta mais água são os cereais”.

É preciso “cultivar o certo e não persistir no que se tem vindo a fazer”, remata.

Poças Martins diz que país não pode estar sempre “em regime terramoto”

O engenheiro Joaquim Poças Martins defende que “não podemos estar em regime de terramoto” em relação à seca, mas elogia o “Marquês de Pombal do momento”, o ministro do Ambiente, que “veio dar a cara”.

Em 1755, aquando do Grande Terramoto de Lisboa, o Marquês de Pombal advogou “enterremos os mortos e salvemos os vivos”, lembra.

Para a seca que se vive atualmente no país, defende uma estratégia semelhante, e concretiza: “vai ser necessário adaptar as culturas às novas épocas, não é possível fazer o contrário”.

“Falando com agricultores, o que vemos são cidadãos como nós desesperados, que só sabem aquela resposta, que não foram ajudados a pensar de forma diferente e, como tal, não sabem agora o que fazer”, prossegue.

O especialista defende que esses agricultores “têm de ser ajudados agora, mas não podem ser ajudados de dois em dois ou de três em três anos, porque não é possível, não há gente suficiente para ajudar quem não se adapta”.

Num contexto em que não falta quem aponte o dedo, o professor universitário quis “também dizer bem” da atuação do Governo nesta matéria.

“Neste caso concreto, o Marquês de Pombal é o ministro desta área [João Pedro Matos Fernandes, ministro do Ambiente e da Ação Climática], que veio dar a cara e veio dizer que está a fazer aquilo que pode fazer neste contexto”.

O governante referiu a criação de uma dessalinizadora no Algarve, investimentos para reduzir as perdas de água, falou de reutilização de água e de trabalhar em articulação com o Ministério da Agricultura para resolver problemas agrícolas, destaca Poças Martins.

Mas, disse, é preciso fazer uma distinção: “Estamos em 2021 e não houve mais terramotos, felizmente, e secas há quase todos os anos”, pelo que considera que “não faz sentido ter o ‘Marquês de Pombal’ do ano vir anunciar coisas destas conjunturais, é preciso haver uma solução maior”.

Essa solução “não é para amanhã”, mas existe, garante, defendendo que se faça “o que foi feito para o abastecimento de água nas casas – poupar, planear, investir e gerir bem”.

O ex-secretário de Estado do Ambiente lembra o esforço feito na década de 1990, altura em que estava no Governo de Cavaco Silva, para criar a Águas de Portugal e as suas subsidiárias, permitindo que “hoje as secas não cheguem às torneiras”.

Depois de o executivo ter anunciado que iria limitar a produção hidroelétrica e de utilização de água para rega em várias barragens, Poças Martins diz estar “globalmente de acordo” com as medidas tomadas e regista “pela positiva o facto de ter sido tomada uma decisão firme de parar a produção de energia nas barragens”.

“A discussão é se podia ter sido mais cedo ou mais tarde, não me parece que tenha de ter sido mais cedo”, prossegue.

Enquanto “técnico do setor há muitos anos”, realça ainda a imposição clara de uma meta: “paramos quando houver o risco de não haver água para consumo público para os próximos dois anos”.

“Nunca foi feito antes, registo pela positiva”, vinca.

Por outro lado, “não é vida o ministro que cá estiver, este ou outro, daqui a dois ou três anos vir essencialmente com o mesmo discurso. Temos de mudar e, essencialmente, mudar na agricultura, com calma, serenidade e diálogo, para, com as universidades, pôr as culturas no sítio certo”, destaca.

Joaquim Poças Martins é licenciado em Engenharia Civil pela Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e doutorado pela Universidade de Newcastle, em Inglaterra.

Desde 1974 é docente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, onde dirige a Secção de Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente.

Foi, entre 1993 e 1995, Secretário de Estado do Ambiente e do Consumidor do XII Governo Constitucional de Portugal, no último governo liderado por Aníbal Cavaco Silva.