Estas posições são defendidas pelo antigo primeiro-ministro português (2005/2011) num artigo hoje publicado na revista brasileira "Carta Capital", no qual também alerta para uma "obscena mudança na cultura política europeia e que tem reflexos nas culturas internas das policias".
José Sócrates escreve que o cidadão ucraniano Ihor Homeniuk aterrou no Aeroporto de Lisboa em 10 de março, a seguir foi levado pelo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras para uma sala onde, "depois de várias peripécias, foi amarrado, espancado e onde viria a morrer".
"Nesse período de cerca de cinquenta e sete horas em que esteve detido em território português não teve acesso a um tradutor, nem a advogado, nem foi presente a um juiz como impõe a Constituição da República. Nas horas seguintes a certidão de óbito foi falsificada, a morte foi dada como natural e o assassinato foi encoberto", refere.
Segundo o antigo líder do PS (2004/2011), "o tenebroso assunto foi mantido a custo no espaço público por algumas jornalistas da imprensa escrita - o resto, a indústria televisiva que domina a agenda política e que, na prática, decide o que existe e não existe, não viu no caso motivo de indignação, com a virtuosa exceção de uma delas que deu a notícia" em 29 de março passado.
"O primeiro-ministro [António Costa] e o Presidente da República [Marcelo Rebelo de Sousa], apesar de este último aparecer todos os dias na televisão não se sabendo se a distribuir afetos ao povo ou se a pedi-los, também não sentiram necessidade de se referirem ao desonroso assunto, para além de breves considerações de circunstância no momento em que o crime foi revelado", critica.
Para José Sócrates, é "triste ver um Governo socialista acusado de desvalorizar um grave caso de violência policial em que um cidadão estrangeiro acaba assassinado".
"Mais do que a cultura de uma qualquer instituição policial, o que está em causa é um problema de cultura política", sustenta.
O que se passou no aeroporto de Lisboa, de acordo com o antigo primeiro-ministro, "não é, ou não é apenas, um infortúnio, um incidente trágico e isolado - ele é um sinal claro de uma obscena mudança na cultura política europeia e que tem reflexos nas culturas internas das policias".
No seu artigo, o antigo primeiro-ministro critica também as declarações proferidas pelo diretor nacional da PSP, Magina da Silva, no domingo, depois de ter sido recebido pelo Presidente da República.
"O que mais me impressionou na sua estudada e bem preparada declaração foi o ponto prévio em que afirmou que o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras é uma boa polícia e tem excelentes profissionais. Nem uma palavra para condenar o assassinato, nem uma palavra para apresentar condolências à família, nem uma palavra para lamentar o dano que o caso causa ao Estado. Fico com a impressão de que a declaração do chefe da polícia foi feita com o único propósito de afirmar uma certa cultura de autoridade policial", acrescenta.
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