Os professores recusam qualquer proposta que retire tempo aos nove anos, quatro meses e dois dias de serviço e o Governo diz só existir capacidade financeira para recuperar dois anos, nove meses e 18 dias.

Apesar da pressão do parlamento, que forçou o Governo a retomar as negociações com os professores, o executivo rompeu na semana o diálogo com os sindicatos e enviou o diploma que prevê apenas a recuperação parcial do tempo de serviço dos professores para promulgação. Mas o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou hoje o seu veto, para que o documento “seja objeto de processo negocial”.

No último ano, houve greves, manifestações, protestos e acusações dos dois lados de falta de cedência.

Os sindicatos garantem que não vão parar enquanto não virem as suas reivindicações acolhidas, inspirando-se numa proposta muito semelhante à que foi aprovada na Madeira, e que prevê a recuperação de todo o tempo congelado a partir de janeiro de 2019, de forma faseada, até 2025, ao ritmo de cerca de um ano e meio de serviço por cada ano civil que, dizem, se for aceite pelo Governo, levará a um acordo imediato.

Com o veto de Marcelo Rebelo de Sousa, o processo volta à estaca zero e o executivo terá de reabrir as negociações com os professores.

Por que se abriram negociações específicas entre professores e Governo?

Com o Orçamento do Estado para 2018, a maioria dos trabalhadores da função pública viu contabilizado o tempo de serviço congelado desde 2011 com base na atribuição de um ponto por cada ano congelado.

Um modelo simplificado que não se pode aplicar aos professores, que progridem na carreira com base em três aspetos cumulativos: o tempo de serviço, a avaliação qualitativa e o cumprimento legal da formação contínua exigida na carreira.

Os professores têm também, à semelhança de outras carreiras na função pública, um estatuto especial, sendo regulados por um diploma legal próprio.

A que entendimento chegaram professores e Governo em novembro de 2017?

Depois de uma maratona negocial com o Governo, cuja última reunião durou mais de 10 horas, os sindicatos saíram do encontro assumindo que não tinham conseguido chegar a acordo, mas tinham assinado uma “declaração de compromisso” para a recuperação do tempo de serviço.

Para os professores não havia dúvidas de que seriam recuperados nove anos, quatro meses e dois dias, ficando para 2018 as negociações para definir de que forma seria feita a recuperação.

Porque terminaram sem acordo as negociações?

Depois de um arranque em dezembro na expectativa de ter apenas que negociar “o prazo e o modo” no que diz respeito à recuperação do tempo de serviço congelado, os sindicatos chegaram a junho com o ministro da Educação a pôr fim às negociações, retirando, inclusivamente, de cima da mesa a proposta do Governo para contar dois anos, nove meses e 18 dias, que os sindicatos sempre recusaram aceitar.

Entendem os professores que a contagem do tempo de serviço integral ficou estabelecida na própria declaração de compromisso de novembro, na lei do Orçamento do Estado para 2018 e numa resolução da Assembleia da República de janeiro de 2018, que mereceu a aprovação de todos os grupos parlamentares.

O ministro da Educação afirmou que sem acordo “ficava tudo na mesma”, mas um dia depois, no debate quinzenal no parlamento, o primeiro-ministro, António Costa, desdisse o seu ministro e voltou a abrir a porta às negociações, referindo que, se os sindicatos estivessem disponíveis para voltar à mesa negocial, a proposta do executivo continuava em cima da mesa.

As negociações foram retomadas em setembro, mas voltariam a terminar sem acordo, já que nenhuma das partes cedeu e o Governo insistiu, na sua proposta de Orçamento do Estado para 2019, em manter o tempo de recuperação de serviço em dois anos, nove meses e 18 dias.

Com o PS isolado, o parlamento decidiu contrariar o Governo e inscreveu novamente no Orçamento do Estado uma norma semelhante à que constava no exercício anterior, determinando a negociação do prazo e do modo para a recuperação do tempo de serviço, tendo em conta a sustentabilidade dos recursos do Estado.

Governo e docentes voltaram a sentar-se à mesa na semana passada para novas negociações, mas o executivo mais uma vez não cedeu e o Conselho de Ministros aprovou o diploma com a recuperação parcial do tempo de serviço, enviando-o de seguida para promulgação.

O que significa o veto do Presidente da República?

O chefe de Estado justifica a devolução ao executivo sem promulgação por entender que a norma incluída pelos partidos no Orçamento do Estado para 2019 obriga a que o diploma “seja objeto de processo negocial”.

O Governo lamentou que o veto do Presidente da República impeça que seja contabilizada a recuperação parcial do tempo de serviço dos professores, a partir de janeiro, e prometeu um “novo processo negocial” com os sindicatos.

O executivo refere que vai esperar a “entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2019 para iniciar um novo processo negocial com as estruturas sindicais” dos professores.

O veto de Marcelo Rebelo de Sousa veio reforçar a expectativa dos sindicatos de docentes, que ficam agora à espera que o Governo cumpra o que ficou estabelecido no OE2019 e reabra negociações.

O secretário-geral da Federação Nacional dos Professores (Fenprof), Mário Nogueira, considerou “absolutamente adequada” e “correta” a decisão do Presidente da República e referiu que, "no dia 03 de janeiro, os docentes vão estar à porta do Ministério da Educação para dizer ao Governo: ‘Estamos aqui para iniciar essa negociação’”.

No mesmo sentido, o secretário-geral da Federação Nacional da Educação (FNE) congratulou-se com o veto presidencial e manifestou disponibilidade para ser encontrada uma solução, “que deve ser convergente na totalidade do território nacional, podendo haver uma convergência com a opção que foi tomada na Região Autónoma da Madeira".

Quanto custa a contagem do tempo de serviço dos professores?

O custo é um dos maiores pontos de discórdia entre Governo e sindicatos.

Um descongelamento total e imediato teria um custo de 635 milhões de euros, segundo a versão mais recente das contas apresentada pelo Governo, em julho, no final de uma reunião técnica para apurar os custos da contagem do tempo de serviço, em que os sindicatos também participaram.

Se a proposta de contar apenas dois anos, nove meses e 18 dias fosse aceite o custo seria de 180 milhões de euros, que acresceriam aos quase 520 milhões de euros decorrentes do descongelamento em vigor desde janeiro deste ano.

Os números de julho quase não diferem dos que já vinham sendo a ser apresentados desde o início das negociações, com a maior divergência nas contas assente nos custos com as progressões na carreira

A progressão dos professores custa este ano 37 milhões de euros e, segundo as contas do Ministério da Educação, no próximo ano irá custar 107 milhões. No entanto, pelas contas dos sindicatos, a progressão dos docentes custará no próximo ano 27 milhões de euros.

Os custos têm repetidamente sido avaliados pelo primeiro-ministro, António Costa, como incomportáveis para o equilíbrio das contas públicas.

Que ações têm os professores para 2019?

Antes do veto de Marcelo Rebelo de Sousa, os sindicatos unidos em plataforma ameaçaram bloquear o normal funcionamento do ano letivo caso as negociações não sejam reabertas em janeiro.

Para já, está agendado para 03 de janeiro o início de um abaixo-assinado pela contagem integral dos nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço congelado.

Ainda a 03 de janeiro, têm programado o reiniciam da greve a todo o trabalho que não esteja previsto no horário de trabalho de 35 horas semanais, nos mesmos moldes em que esta decorreu ao longo de todo o 1.º período escolar.

A 09 de janeiro está ainda previsto que os sindicatos sejam ouvidos pela comissão parlamentar de educação.

Paralelamente, a Assembleia da República aceitou no dia 21 de dezembro discutir e votar uma iniciativa legislativa de cidadãos para que seja integralmente contado o tempo de serviço dos professores, segundo o grupo de docentes que a promoveu.

A iniciativa "foi admitida definitivamente a debate parlamentar" abrindo-se um "processo legislativo para que os partidos possam apresentar as suas propostas sobre a contagem do tempo de serviço docente".

A iniciativa recolheu mais de 20 mil assinaturas desde abril deste ano, quando foi lançada por um grupo de professores que afirmou ser apartidário.