“Eu trabalhava na área da restauração e fiquei sem trabalho e o meu marido, que estava na área da segurança na zona de Viana [do Castelo], também teve de interromper o trabalho: Sofreu abusos patronais por ter optado por continuar uma formação” que estava a tirar quando tudo aconteceu, resumiu à Lusa Filipa Lages sobre a situação com que se confrontaram.
Confrontados com a falta de dinheiro e as consequentes “dificuldades ao nível da renda da casa, alimentação, vestuário e medicamentos”, a família decidiu mudar-se em 2021 para o Porto, cidade de onde é natural Vítor, mas também à procura de mais respostas sociais.
Antes disso, relatou Filipa, recorreram “ao apoio da linha 144 [Linha Nacional de Emergência Social] de Viana do Castelo” – porque havia sido cortada a bolsa [de estudo] ao marido — e foi-lhes “atribuído o apoio alimentar”.
Já no Porto e a viver num alojamento local pago com o dinheiro do subsídio de desemprego, a família soube através das redes sociais da existência da Porta Solidária e desde 3 de março que recebe esse apoio alimentar.
“Pedimos apoio em março à Santa Casa da Misericórdia [do Porto] e vamos ver se vamos ter apoio a nível económico”, contou Filipa sobre mais uma tentativa de encontrar apoio para pagar a habitação.
“Tenho enviado candidaturas [para emprego] praticamente todos os dias. Mas não é por receber um não que vou desistir. Todos os dias são dias de luta. Com covid ou sem covid, temos de ir à batalha”, assegurou.
Vítor Lages assume que vive revoltado, que escrever o tem ajudado a gerir essa frustração ao mesmo tempo que caminha para o final da formação em técnico auxiliar de saúde, um meio para atingir um fim ligado ao setor da segurança.
“O que eu mais gostava era de ser polícia, mas já não tenho idade e nem consegui entrar lá”, contou à Lusa, sem perder a esperança de concretizar outra aposta pessoal: trabalhar no setor do acompanhamento e proteção pessoal de pessoas ou em investigação criminal.
Enquanto no horizonte esse perfil não surge, Vítor assume as mais-valias adquiridas e que o ajudaram a identificar mais “um dos muitos problemas na sociedade portuguesa”.
“Esta formação tem-me ajudado na forma como me devo proteger da covid-19, mas também se trata da saúde mental, que está muito condicionada pelas condições salariais e pelos abusos dos patrões, embora eu entenda a parte deles, porque também são abusados pelo Estado português”, acusou.
E enquanto Filipa frisa que a pandemia deixou a nu “muita coisa que andava encoberta há muitos anos” em Portugal, “mesmo a nível de trabalho”. Vítor assegura que quanto mais tempo passar no contexto covid mais forte ficará e menos medos terá.
A coordenadora de voluntariado da Porta Solidária, Anabela Soares, relatou à Lusa que atualmente preparam “entre 500 e 600 ‘kits de alimentação’ de dois tipos, “um só com sandes e a fruta e o outro, que é uma refeição quente, que é entregue de domingo a sexta-feira”.
A pandemia fez aparecer caras novas no serviço de voluntariado que decorre no centro social da Igreja do Marquês, no Porto, e Filipa e Vítor, contou a responsável, “são duas das muitas caras de jovens casais” que a perda de rendimentos encaminhou para aquele apoio social.
“Sim, há muita gente jovem a pedir ajuda. Especialmente casais com crianças. Desde sempre houve, mas atualmente aumentou”, relatou Anabela Soares.
Também eles vivendo da solidariedade daqueles que querem manter o serviço ativo, a Porta Solidária, assumiu a coordenadora, tem resistido a tudo graças à boa vontade de anónimos.
“Por vezes o apoio diminuiu, mas com boa vontade temos conseguido continuar a apoiar”, disse.
Portugal registou na terça-feira duas mortes relacionadas com a covid-19 e 874 novos casos de infeção com o novo coronavírus, o valor mais elevado desde o início de março, segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS).
Segundo a DGS, no país morreram 16.887 pessoas dos 824.368 casos de infeção confirmados.
Por: Jorge Fonseca (texto) e Estela Silva (fotos) da agência Lusa
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