Os trabalhadores da Função Pública vão passar a ter um "período normal de trabalho" de 35 horas semanais, segundo o decreto-lei aprovado a 20 de Junho, promulgado pelo Presidente da República (com alerta para uma fiscalização sucessiva pelo Tribunal Constitucional, para evitar aumentos na despesa pública) e que entrou em vigor a 1 de Julho.

As despesas com pessoal "não podem exceder os montantes relativos à execução de 2015", excepto quando "razões excecionais fundadamente o justifiquem" e com autorização do Ministério das Finanças. As soluções departamentais serão negociadas entre os ministérios e os sindicatos do sector, diz ainda o decreto-lei.

No sector privado, as 35 horas são assunto tabu e a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) revelou que nem sequer é tema a discutir. Porque não, sendo um assunto com tantos pontos de vista diferentes e alguns bem sustentados por empresários?

Por exemplo, em 1970, o consultor de gestão Riva Poor defendeu no livro "4 Days, 40 Hours" um maior horário laboral diário mas também um maior fim de semana, de três dias. Apesar da polémica, só algumas empresas e instituições públicas nos EUA adoptaram um modelo intermédio, libertando a tarde de sexta-feira.

Este tipo de semana laboral mais encurtada pode ter vantagens, como escrevia Andrew Simms, autor de "Cancel The Apocalypse: The New Path To Prosperity", em Fevereiro de 2013 no The Guardian. Simms salientava o ter-se mais tempo livre, menor poluição nos dias com reduzidas deslocações para o local de trabalho e recordava a decisão do governador Jon Huntsman do estado norte-americano do Utah que, em 2008, percebeu como podia poupar dinheiro ao encerrar cerca de 900 edifícios públicos, colocando 18 mil dos 25 mil funcionários a trabalhar apenas quatro dias por semana. Os serviços essencias - como a polícia - não foram abrangidos pela medida. "Em seis meses, as queixas caíram para zero", refere Rex Facer, da Brigham Young University, que defendeu e analisou a medida e os seus impactos.

Claro que, sem a sua remuneração ter sido afectada, oito em 10 dos trabalhadores afectados "gostou" da medida e dois terços considerou mesmo ser mais produtivo. A moral no trabalho aumentou e decresceu o absentismo, assim como as emissões de carbono. Aliás, um estudo do Centre for Economic and Policy Research apontou que a diminuição das horas de trabalho a nível mundial podia diminuir o aquecimento global para metade até 2100. O programa no Utah terminou em 2011, quando o presidente Obama nomeou Huntsman para embaixador na China.

E na Europa?

A maioria dos países europeus parece ter aversão a diminuir o tempo de trabalho, como revela a posição da portuguesa CIP, sem sequer a querer discutir. Um outro estudo, revelado em Maio passado e sobre trabalhadores de um lar de reformados em Svartedalens (Suécia), demonstra como um dia de trabalho de seis horas - sem cortes remuneratórios - é mais satisfatório, contribuindo para menos faltas ao trabalho, mais produtividade e melhor saúde dos trabalhadores.

O estudo, financiado pelo governo sueco (após ter abandonado um outro, que se desenvolveu entre 1989 a 2005 por falta de dados), comparou a produtividade das enfermeiras naquele estabelecimento com um outro lar e revelou que foram pedidas menos de metade de baixas médicas ou ausências no horário laboral do que no "grupo de controlo", segundo um dos investigadores, Bengt Lorentzon.

Na Holanda, o modelo seguido foi diferente e, segundo Simms, relativamente à década de 1990, os serviços públicos contrataram mais 80% de novos funcionários, sendo dos maiores apoiantes do trabalho parcial - um terço dos homens e 75% das mulheres adoptaram este modelo.

A Holanda é o país europeu com mais população a trabalhar a tempo parcial, segundo dados do Eurostat relativos a 2014. Enquanto a média europeia é de 8,7% para homens e 32% de mulheres, esse valor sobe neste país para 26,8% e 76,6%, respectivamente para homens e mulheres que trabalham menos de 36 horas por semana. Em Portugal, ambos os valores não ultrapassavam os 15% (a média masculina acompanhava a europeia, com as mulheres ligeiramente mais à frente).

No Reino Unido, com uma semana média de 48 horas no trabalho, a "mensagem" do ainda primeiro-ministro David Cameron "parece ser de que podemos todos esperar trabalhar mais e durante mais tempo, e muito provavelmente com um menor salário", referia Simms, notando a existência de horas de trabalho sem remuneração - "cinco milhões de trabalhadores dão o equivalente a um dia livre aos seus empregadores por semana", afirma.

A união Reino Unido-EUA

No mundo anglo-saxónico, quem parece trabalhar mais são os ricos e as mulheres com mais formação. No estudo "The rich best-educated revealed as 'super-working class'", de Abril de 2014, elaborado por Jonathan Gershuny e Kimberly Fisher da universidade inglesa de Oxford, eles notam que o trabalho pago em 16 países desenvolvidos - incluindo a Europa continental mas não Portugal - passou de 5h50 para as 6h10. "Os mais bem formados trabalham mais do que o faziam" na década de 1960, mas a explicação pode estar por os "seus empregos serem mais satisfatórios, emocionalmente e intelectualmente", nota Gershuny.

Na introdução ao trabalho, os autores lembram que o economista John Maynard Keynes defendeu em 1924, perante a "mudança tecnológica" que poderia garantir um crescimento na produtividade económica, um objectivo para uma semana de trabalho de "apenas 10 ou 12 horas" (tese que abandonou mais tarde). Nas décadas seguintes, "e por variadas razões", socialistas, liberais e conservadores olharam para a diminuição do tempo de trabalho como algo "natural" e "concomitante com o progresso económico", questionando-se igualmente o que fariam as pessoas com esse tempo livre.

Na realidade, Keynes antecipou que o progresso tecnológico levaria a uma semana de 15 horas de trabalho mas apenas em 2030, com o futurólogo Herman Kahn a seguir-lhe os passos e a antecipar nos anos de 1960 que os EUA haveriam de ter "um dia, 13 semanas de férias e uma semana de quatro dias de trabalho", como lembrava a Bloomberg.

Segundo a OCDE, os norte-americanos trabalham cerca de 38,6 horas por semana - sendo "uma nação de 'workaholics'", nas palavras de Pramila Rao, professora de gestão de recursos humanos da Marymount University. Mas o número de horas laborais pode ser maior: eles trabalham em média 47 horas por semana e um quinto chega mesmo às 59 horas semanais - com uma nota adicional: são os ricos ou aqueles em posições mais bem pagas (advogados, gestores, engenheiros, financeiros - homens, na sua maioria) quem trabalha durante mais tempo, refere a The Week.

O que dizem os ricos?

Neste assunto, todos têm as suas opiniões e, dependendo da idade, as suas convicções. Por exemplo, a ligação entre a duração do tempo de trabalho e a felicidade é muitas vezes colocada em contraponto. Um exemplo: num inquérito a 4.600 pessoas feito por investigadores da universidade canadiana de British Columbia, nota-se como as pessoas (principalmente aquelas com mais idade) tendem a preferir o tempo ao dinheiro, em termos de maior felicidade.

Por outro lado, há quem olhe para o modelo "tempo é dinheiro". O mexicano Carlos Slim, que já foi o homem mais rico do planeta devido aos seus negócios nas telecomunicações ou no sector mineiro, defendeu em 2014 uma semana de trabalho de uns três dias - não para ele mas para todos. "Deve-se ter mais tempo na vida para si próprio e não apenas quando se tem 65 anos e se é reformado", disse à CNN. A contrapartida era ter um horário laboral de 11 horas diárias e uma reforma a partir dos 75 anos, dando assim mais tempo aos trabalhadores para "o entretenimento, família e formação para melhores empregos".

A posição de Slim foi sustentada em Fevereiro passado por investigadores num documento publicado pela universidade australiana de Melbourne. Para os trabalhadores com mais de 40 anos, trabalhar cerca de 25 horas por semana é mais produtivo, em termos cognitivos. Apesar de não analisar as camadas etárias abaixo daquela idade, o estudo é "potencialmente significativo" se extrapolado para uma população mais envelhecida e que se reforma mais tarde.

O trabalho "Use It Too Much and Lose It? The Effect of Working Hours on Cognitive Ability", que avaliou trabalhadores da Austrália, não nota diferenças significativas entre homens e mulheres, sugerindo que os trabalhadores com mais idade "podem manter a sua capacidade cognitiva trabalhando a tempo parcial", cerca de 20 a 30 horas por semana (25 a 30 para homens e 22 a 27 para mulheres). Em resumo, dizem os investigadores, "demasiado trabalho pode ter efeitos adversos no funcionamento cognitivo".

Perante isto, convém perguntar: quem quer ter trabalhadores com "efeitos adversos no funcionamento cognitivo"?