Por: Nina NEGRON da Agência France-Press (AFP)
A sessão, iniciada às 10h30 locais (menos quatro horas do que em Lisboa) de quarta-feira, prosseguiu madrugada adentro, com a maioria dos senadores a querer pronunciar-se sobre o assunto, num debate que durou quase 16 horas.
Ao defender a legalização do aborto, a ex-presidente e agora senadora Cristina Kirchner, declarou que "se pode concordar ou não", mas não é possível "rejeitar o projeto sem propor qualquer alternativa e a situação permanecer a mesma", com milhares de abortos clandestinos.
Kirchner, que durante os seus dois mandatos (2007-2015) se recusou a apresentar o projeto para descriminar o aborto, revelou ao Senado que "foram as milhares de jovens que ocuparam as ruas que a fizeram mudar de opinião".
De acordo com os resultados oficiais apurados, 31 senadores votaram a favor e 38 disseram "não" ao texto que previa a interrupção da gravidez durante as primeiras 14 semanas de gestação. À porta do Congresso, em Buenos Aires, estavam milhares de pessoas separados por duas filas de grades.
Os lenços verdes identificavam aqueles a favor do "direito de escolher" enquanto o azul celeste representava aqueles que estão contra a legalização do aborto.
Em várias cidades da América Latina, como o Rio de Janeiro, Lima, Santiago e Cidade do México, grupos a favor da legalização, manifestaram-se diante das representações diplomáticas da Argentina.
Na noite desta quarta-feira, o arcebispo de Buenos Aires, Mario Poli, oficiou uma missa na catedral de Buenos Aires, exibida numa tela de grandes dimensões na Praça de Maio, a um quilómetro da sede do Senado.
Acabou por não passar no Senado, mas caso acontecesse, a Argentina seria o terceiro país da América Latina a legalizar o aborto, juntamente com Cuba e Uruguai — ainda que a interrupção da gravidez também seja permitida na Cidade do México.
Totalmente proibido em El Salvador, Honduras e Nicarágua, o aborto é apenas possível em casos de violação ou caso exista risco de saúde para a mulher ou com o feto.
Opinião popular
A pressão social aumentou no momento em que começaram a surgir os primeiros rumores de que a maioria dos senadores iria rejeitar o projeto, aprovado em junho pela Câmara dos Deputados, com 129 votos contra 125 — mais uma abstenção.
Aqueles que apoiam a despenalização do aborto já tinham referido anteriormente que estavam a avaliar a possibilidade de convocar um referendo caso a iniciativa fosse rejeitada, o que acabou por se verificar.
"Quando uma Câmara opina de um modo e outra pensa de forma diferente [Senado], revela que a representação do povo está dividida. Isto justifica, talvez, um sistema de decisão de democracia direta, como prevê a Constituição, através de consulta vinculante. É possível propormos isto", disse Daniel Lipovetzky, deputado do partido Cambiemos.
Legal ou clandestino
Celeste Villalba tem 20 anos e está fervorosamente do lado verde. Ao seu lado jovens com perucas verdes cantam "Aborto legal, no hospital!".
"Este debate é sobre se é legal ou clandestino, não se uma pessoa é a favor ou contra o aborto", disse à agência France-Press.
Mas Celeste revelou ter noção de que os senadores deveriam ceder à pressão da Igreja Católica. "A Igreja quer meter-se em tudo".
Mirtha Martini, 64 anos, comercial na área de seguros, passou na praça para manifestar o seu apoio à legalização. "É preciso adotar uma posição, é importante. O slogan 'Defender a vida' é uma falácia porque as mulheres morrem em abortos clandestinos".
O Não Celeste
Entre os celestes estão vários padres, como Federico Berruete, 35 anos. "Há uma grande mostra de fé, muita gente está mobilizada por um país mais humano. É preciso defender a criança que vai nascer".
Em seu redor, é possível constatar manifestantes a exibir cartazes com frases como "Há vida desde a concepção" e "Toda vida tem valor". Atrás, uma enorme imagem de um feto diante da qual jovens cantam ao som de tambores.
A iniciativa de reduzir de 14 para 12 semanas de gravidez o período legal para a autorização do aborto fracassou no Senado.
Como aconteceu na Câmara, as posições dos senadores são individuais e não respondem a orientação partidária.
"Não aprovar a lei não é uma resposta. Mesmo que após esta sessão o aborto siga penalizado, amanhã haverá abortos na Argentina. Se não é pela lei, será de maneira clandestina", advertiu o senador Eduardo Aguilar, do Partido Justicialista.
No outro lado da remessa, a senadora María Tapia, da União Cívica Radical, declarou que "todos concordam que existe uma preocupação com a vida das mulheres, mas a aprovação desta lei vai gerar um fomento, uma aprovação desta prática".
O presidente Mauricio Macri celebrou o debate sobre o aborto nos últimos meses e destacou em carta que indicava que, independentemente do resultado, "hoje vencerá a democracia".
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