Os congressistas tiveram de se deslocar para a antiga sede da câmara alta na capital do país, depois de centenas de manifestantes contrários à reforma terem invadido a sede do Senado, o que o presidente da câmara, Gerardo Noroña, denunciou como uma “tentativa de golpe” contra o poder legislativo.
Noroña responsabilizou a oposição por facilitar a entrada dos manifestantes, entre os quais havia funcionários da Justiça em greve. "Senhor senador, detenha o ditador!", gritavam os manifestantes que romperam as barreiras de segurança, referindo-se ao presidente López Obrador, autor do projeto.
"Haverá reforma", afirmou o presidente do Senado, ao anunciar que o governo tinha conseguido o voto que faltava para completar os dois terços necessários para aprovar emendas constitucionais. O texto deve ser votado entre hoje e amanhã.
López Obrador, que possui ampla maioria no Congresso, propôs a reforma constitucional no contexto de um confronto com o Supremo Tribunal, que bloqueou reformas que ampliavam a participação do Estado no setor energético e colocavam a segurança pública sob controlo militar.
O mandatário, que entregará o poder à sua correligionária Claudia Sheinbaum a 1 de outubro e que conta com 70% de popularidade, acusa o tribunal máximo e alguns juízes de estarem ao serviço das elites, da corrupção e do crime organizado, mas os seus adversários afirmam que, na verdade, ele pretende eliminar a independência do poder judiciário para instaurar um regime autoritário e perpetuar o seu partido no poder.
A emenda também é criticada pelos Estados Unidos e pelo Canadá, que alegam que ela prejudicaria o acordo comercial T-MEC, no momento em que o México se consolida como principal parceiro comercial dos seus vizinhos do norte.
Washington também alerta que o voto direto colocaria os juízes à mercê de criminosos, que já influenciam as campanhas políticas. Se a iniciativa for aprovada, os atuais ministros do Supremo Tribunal, juízes e magistrados (cerca de 1.600) poderão candidatar-se em eleições em 2025 e 2027. Caso contrário, permaneceriam nos seus cargos até que os eleitos assumissem as suas funções.
A reforma também é criticada por especialistas das Nações Unidas e por organizações como a Human Rights Watch. Tal mudança colocaria o México "numa posição única em termos do método de eleição de juízes", apontou Margaret Satterthwaite, relatora da ONU sobre a independência de juízes e advogados.
O outro caso semelhante na América Latina é o da Bolívia, onde os magistrados dos altos tribunais são eleitos por voto popular, enquanto os juízes ordinários são designados por um conselho da magistratura.
Porém, a independência dos magistrados eleitos foi colocada em xeque dada a disputa entre o presidente Luis Arce e o seu mentor e ex-presidente socialista Evo Morales (2006-2019).
"O que mais preocupa aqueles que são contra esta reforma é que perderão os seus privilégios, porque o poder judiciário está a serviço dos poderosos (...), do crime de colarinho branco", declarou López Obrador nesta terça-feira.
Na véspera do debate, o presidente do Supremo Tribunal, Norma Piña, equiparou a emenda a uma tentativa de "demolição do poder judiciário".
Embora o presidente do Senado não tenha detalhado de onde veio o voto que faltava, ele terá vindo do conservador Miguel Ángel Yunes, que os partidários do PAN chamaram traidor.
Caso a reforma seja aprovada, "estaria a ser instaurada uma ditadura", declarou à AFP o advogado José Cordero, de 40 anos. "Os advogados dependem de um sistema de justiça autónomo", sublinhou.
Entre as mudanças que a reforma traria, a figura dos "juízes sem rosto" para combater o crime organizado preocupa Ana Paola Morales, estudante de relações internacionais, de 23 anos, pois viola o "direito de saber quem te está a julgar e por quais acusações".
Os partidos opositores, PAN, PRI e Movimento Cidadão, declararam que votarão contra a iniciativa, enquanto denunciam pressões do governo.
"Batalharemos até ao fim para evitar esse atropelo", escreveu na rede X a senadora do Movimento Cidadão, Alejandra Barrales.
López Obrador insiste que o voto aproximará a justiça do povo neste país, onde são registados cerca de 80 homicídios por dia e a impunidade supera 90%, segundo ONGs.
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