Moro foi quem determinou a condução coercitiva para que Lula fosse depor na Polícia Federal e o responsável pela divulgação da conversa telefónica entre o ex-presidente e a sua sucessora, Dilma Rousseff.
Na conversa, Dilma disse a Lula que se preparava para enviar o termo de posse como ministro-chefe da Casa Civil para que Lula da Silva o utilizasse "em caso de necessidade".
Para o juiz do STF, Gilmar Mendes, a posse do ex-presidente Lula da Silva poderia representar uma "grave interferência" nas investigações judiciais e por esta razão, decidiu suspendê-la. A medida aprovada pelo Supremo nesta quinta-feira é temporária, pode ser revertida e não trata da decisão de se Lula poderá ou não assumir o cargo.
Adotada por maioria, a decisão do STF atendeu a uma ação cautelar do governo sobre o segredo das investigações que envolvem funcionários com foro privilegiado, como a própria Dilma. "É importantíssimo que nós investiguemos, que o Judiciário controle os processos, que o Ministério Público e as autoridades policiais se empenhem em investigar e punir quem for culpado, independentemente do cargo que ocupe e da situação económica que possua, do partido a que pertença. Mas para o Poder Judiciário e, sobretudo, para o Supremo Tribunal Federal, é importante que tudo seja feito com estrita observância da Constituição", argumentou o juiz Teori Zavascki, responsável pelo caso.
"Eventuais excessos que se possam cometer com a melhor das intenções (...). Isso nós conhecemos, já vimos esse filme: isso pode levar ao resultado contrário. Não será a primeira vez que, por força do cometimento de ilegalidade no curso das operações, no curso da ação penal, o STF e o STJ [Superior Tribunal de Justiça] anularam procedimentos penais nestas situações", acrescentou.
O Supremo ainda deve definir em que instância continuarão as ações contra Lula, ou se eventualmente divide os processos. Lula da Silva é investigado por ocultação de património, lavagem de dinheiro e falsidade ideológica.
Sob lupa
O ex-presidente, cofundador do Partido dos Trabalhadores (PT), foi designado para o ministério de Dilma no dia 17 de março, o que em condições normais deveria conferir-lhe foro privilegiado, mas a sua nomeação foi bloqueada pelo juiz do Supremo Gilmar Mendes sob a suspeita de que a nomeação visava retirar Lula da competência do juiz Sérgio Moro.
Esta semana, o juiz Sérgio Moro, que se assumiu como um admirador da operação "Mãos Limpas", uma operação de combate à corrupção em Itália nos anos 1990, desculpou-se com uma nota dirigida ao Supremo por ter divulgado as escutas, uma decisão tomada poucas horas depois de terem sido gravados os diálogos o que lhe custou duras críticas por parte dos magistrados do Supremo.
"Sérgio Moro tinha vencido até hoje em quase todas as vezes que as suas decisões foram questionadas no STF e ainda não se sabe qual será a deliberação final. É preciso aguardar. Acho que os juizes vão estar com um olho na Constituição, na doutrina, e o outro nas ruas", disse à AFP o consultor político Paulo Kramer.
A revelação da curta conversa entre Dilma e Lula provocou reações imediatas de fúria em várias cidades do país, num momento em que uma profunda crise coloca a Presidente Dilma sob o risco de impeachment por suspeita de crime de responsabilidade.
Agora, Zavascki considerou que vai ser "muito difícil" que as gravações possam ser usadas como prova.
"Não vai ter golpe!"
Milhares de pessoas voltaram às ruas nesta quinta-feira em novas manifestações de apoio ao governo e contra o impeachment da Presidente concentradas, sobretudo, em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.
Em Brasília, 50 mil pessoas - o dobro, segundo os organizadores - caminharam do estádio Mané Garrincha até à praça dos Três Poderes, com balões da Central Única dos Trabalhadores e de movimentos sociais.
Os manifestantes exibiam cartazes que denunciavam "as mentiras da comunicação social" e uma campanha "de ódio", segundo um jornalista da AFP.
"Todo este movimento pelo impeachment está a gerar ódio entre os brasileiros. Sempre fomos alegres e carinhosos. Além de defender a democracia, estamos aqui para defender o amor", disse Celina Nascimento, uma professora de 48 anos.
A manifestação em São Paulo reuniu outras 50 mil pessoas na Praça da Sé, segundo os organizadores. A polícia militar calculou 18 mil.
Marco Aurelio Claro, um motorista de camiões de 44 anos, contou que sempre foi simpatizante do PT, mas que só este ano sentiu "a necessidade" de pedir a sua carta de filiação, "por tudo o que está a acontecer".
"A democracia tem pouco tempo no Brasil e agora que estava a consolidar-se, querem rompê-la. A economia está parada há um ano por causa dos lamentos dos que perderam as eleições" de 2014, quando Dilma foi reeleita, disse Marco Aurelio Claro.
O motorista também disse que considera "mais que justo" que o STF mantenha por enquanto as investigações sobre Lula, ao invés de devolvê-las ao juiz Sérgio Moro. "Moro é um juiz tendencioso (...) Tem gente no Brasil envolvida em casos muito piores e estão a perseguir o melhor Presidente que o país teve por causa de um suposto tríplex que teria escondido da justiça", declarou.
No Rio de Janeiro, entre 5.000 a 10.000 pessoas, segundo estimativa de um jornalista da AFP, reuniram-se ao fim do dia no Largo da Carioca, no centro da cidade, num ato que contou com a participação de artistas como o cantor e compositor Chico Buarque.
Felipe Canedo, crítico de cinema, de 27 anos, lamentou que a maioria dos manifestantes deem sinais de simpatia ao PT. "Esta manifestação é muito petista. Mas acho importante estar aqui porque sou contra o impeachment", declarou.
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