Com a guerra na Ucrânia e o crescimento das tensões com a Rússia, a questão do Serviço Militar Obrigatório começa a ganhar cada vez mais eco entre os países na NATO e da Europa, estando já vários países a considerar o regresso à obrigatoriedade.

Na Europa, a Estónia, a Letónia e a Lituânia têm o serviço militar obrigatório (para os homens): a primeira nunca o revogou, enquanto as outras duas repúblicas o reintroduziram, perante a ameaça russa iminente.

A Finlândia tem um serviço militar de 6 a 12 meses para os homens, enquanto que a Noruega exige o serviço militar para homens e mulheres aos 19 anos, selecionando cerca de 8 a 10 mil jovens por ano e obrigando a uma recruta durante a mesma duração.

A Suécia, a partir de 2017, voltou a convocar todos os homens e mulheres maiores de idade para se alistarem numa reserva militar, e a Dinamarca vai voltar a ter serviço militar obrigatório também para as mulheres.

Na Áustria, os cidadãos do sexo masculino com mais de dezoito anos estão sujeitos ao serviço militar obrigatório. Já as mulheres têm a possibilidade de ingressar no serviço militar voluntário. Os cidadãos do sexo masculino têm o direito de escolher entre o serviço militar e o serviço alternativo (por exemplo, exercer funções em determinadas ONG).

Na Grécia, todos os cidadãos do sexo masculino, com idades compreendidas entre os 19 e os 45 anos, são obrigados a servir nas Forças Armadas caso sejam recrutados para o efeito. Todos os homens com mais de 18 anos devem servir nas Forças Armadas por um período de 9 a 12 meses. As mulheres podem servir nas forças armadas gregas numa base voluntária, mas não podem ser recrutadas diretamente.

Na neutra Suíça, todos os homens são obrigados a servir nas Forças Armadas ou no serviço civil alternativo, um serviço ao Estado nos setores social, de saúde e ambiental. As mulheres suíças podem servir voluntariamente. Todos os homens suíços recebem uma convocatória no ano em que completam 18 anos para participar num dia informativo sobre a formação básica e o serviço militar obrigatório. Neste dia, decidem quando farão o treino básico (a acontecer entre os 19 e 25 anos). Este treino dura entre três e doze meses.

No Chipre, um país atualmente invadido parcialmente pela Turquia desde 1974,  o serviço militar na Guarda Nacional Cipriota é obrigatório para todos os cidadãos do sexo masculino, bem como para quaisquer não cidadãos do sexo masculino nascidos de pais de ascendência cipriota grega, que completem 18 anos. A República de Chipre tem um recrutamento militar ativo e os recrutas cumprem 14 meses de serviço.

Em outros países como a Alemanha, a Croácia, a Roménia e os Países Baixos, o assunto anda a ser discutido e na República Checa até já foi proposta a reintrodução da medida.

O que se pensa em Portugal?

Por cá, o Serviço Militar Obrigatório terminou em 2004. O seu fim foi aprovado em 1999, por um executivo liderado pelo socialista António Guterres, ficando estabelecido um período de transição de quatro anos.

A passagem para a profissionalização ficou concluída em setembro de 2004, dois meses antes da data prevista, a 19 de novembro, com o centrista Paulo Portas como ministro da Defesa.

Nos últimos dias várias vozes do exército têm discutido o problema ativamente.

O primeiro a trazer o tema para assunto do dia foi o Almirante Henrique Gouveia e Melo, que num texto publicado na Revista E afirmou que: "Reequacionar o Serviço Militar Obrigatório, ou outra variante mais adequada, poderá ser uma medida necessária não só para equilibrar o rácio despesa/resultados, mas também para gerar uma maior disponibilidade da população para a defesa, quer por capacidade de mobilizar rapidamente os recursos humanos necessários quer ainda pelo efeito que este tipo de serviço criará indiretamente no Ethos nacional e na consciencialização do coletivo, dos seus interesses superiores".

Uma opinião corroborada pelo chefe do Estado-Maior do Exército (CEME), Eduardo Ferrão, que em entrevista ao semanário Expresso defende que “uma reintrodução do Serviço Militar Obrigatório justifica-se ser estudada e avaliada sob várias perspetivas”.

Na opinião do General, “a passagem pelas fileiras equivale à frequência de uma escola de cidadania”, contribuindo “para o desenvolvimento de uma cultura de Defesa Nacional” e de “sensibilização dos jovens” para estas áreas.

Destacou ainda o número deficitário de efetivos a contratar autorizado pelo Governo cessante, e criticou o facto de as Forças Armadas serem a única instituição do Estado a vender património para financiar obras, defendendo a equiparação dos vencimentos e suplementos a outras carreiras do Estado, depreendendo-se forças de segurança e magistrados.

Também numa resposta enviada à agência Lusa sobre o tema, o Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), chefiado pelo General Nunes da Fonseca, escreveu que “a eventual reintrodução do Serviço Militar Obrigatório em Portugal é uma matéria que não deverá ser vista numa lógica redutora de solucionamento de carência de efetivos, mas sim através de uma abordagem abrangente de criação de uma prestação de serviço nacional e universal de natureza cívica, destinado à totalidade dos cidadãos”.

“Esta abordagem abrangente tem contornos de política nacional, não se colocando para solucionar, pontualmente, desafios de gestão de efetivos das Forças Armadas”, lê-se na resposta.

Refere ainda que no âmbito da consolidação do modelo de profissionalização do serviço militar nas Forças Armadas, nos últimos anos, “foi possível garantir medidas concretas, tais como a implementação do Regime de Contrato Especial, bem como a criação dos quadros permanentes na categoria de praças no Exército e na Força Aérea, que vieram reforçar a complementaridade das diversas formas de prestação de serviço militar efetivo, num modelo assente exclusivamente no voluntariado”.

Garantem assim que vão "manter um diálogo permanente com o Ministério da Defesa Nacional no sentido de prosseguir a adoção de medidas atempadas que contribuam para melhor recrutar, reter e motivar efetivos, concretamente por via do reconhecimento dos seus méritos e abnegação, bem como da revalorização das suas carreiras”, escrevem.

Na linha da melhoria e valorização da carreira, também as associações militares defenderam hoje este caminho como forma de resolver a atual crise de efetivos nas Forças Armadas, ao invés de uma eventual reintrodução do Serviço Militar Obrigatório.

Em declarações à agência Lusa, o Coronel António Mota, presidente da Associação de Oficiais das Forças Armadas (AOFA), defendeu que, numa altura em que o serviço militar já é “praticamente todo profissional”, a prioridade é “olhar para as condições remuneratórias, as carreiras, o apoio na doença e resolver esses problemas”.

“Isso é que vai fazer com que a retenção e o recrutamento aumentem bastante”, respondeu, questionado sobre a possibilidade de se estudar a reintrodução do Serviço Militar Obrigatório, defendida pelos chefes militares da Armada e do Exército.

Na mesma linha, o presidente da Associação Nacional de Sargentos (ANS), António Lima Coelho, pediu que este debate “não sirva para desviar o foco da atenção do que são os problemas reais, urgentes e que carecem de solução imediata. E que qualquer dicussão sobre um qualquer hipotético Serviço Militar Obrigatório não vai resolver de concreto”.

Também o cabo-mor Paulo Amaral, da Associação de Praças (AP), alertou que esta discussão “não pode fazer esquecer” questões como a melhoria dos salários dos militares, das condições de habitabilidade nas unidades ou a valorização das carreiras.

Recorde-se que no debate das rádios, no âmbito da campanha para as legislativas de março, há cerca de um mês, o presidente do PSD e primeiro-ministro indigitado, Luís Montenegro, afirmou que o partido não punha “em cima da mesa o regresso do serviço militar”, mas sim “um sistema de incentivos” ao recrutamento.

Na mesma linha, o secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, rejeitou o regresso de um Serviço Militar Obrigatório, defendendo a atratividade da carreira militar.

Desde essa altura, os partidos não se têm manifestado muito sobre o tema, sendo que esta segunda-feira a coordenadora do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, manifestou-se contra o regresso do Serviço Militar Obrigatório, considerando que "não existe qualquer consenso" sobre o assunto, e apelou a que seja criada uma carreira para os bombeiros.

André Ventura, presidente do Chega, considerou que "é uma questão que merece ser estudada" quanto ao impacto nas próprias Forças Armadas" e em "articulação com a juventude", para garantir um "grande consenso nacional que é preciso ter nesta matéria".

"Para os jovens portugueses, o ideal seria que não fosse obrigatório e termos capacidade de gerar voluntários entusiasmados que preenchessem as vagas das Forças Armadas com condições remuneratórias dignas", defendeu.

O que pensam os jovens?

De acordo com os últimos dados apresentados pelo Ministério da Defesa, a Direção-Geral de Recursos da Defesa Nacional (DGRDN) e a Direção de Serviços da Profissionalização do Serviço Militar, participaram na edição do ano passado do Dia da Defesa Nacional 93.667 jovens, sendo que 92.626 responderam a inquéritos sobre o serviço militar.

Interrogados sobre a disponibilidade para participar na defesa do país, 25% dos inquiridos respondeu “sim, em qualquer circunstância, incluindo um ataque militar”, 44% mostrou-se disponível, mas apenas em missões de apoio à população e 31% não estaria disposto a integrar uma reserva de voluntários.

Já sobre o interesse genérico em ingressar nas Forças Armadas em regime de voluntariado ou de contrato, cerca de 37% dos inquiridos mostraram interesse, valor idêntico a 2022, e que desce para 20,8% quando questionados sobre o ingresso “num futuro próximo” e ainda para 7,1% quando interrogados sobre o interesse em ingressar no prazo de um ano.

Interrogados sobre o interesse em ingressar nos Quadros Permanentes das Forças Armadas, 31% manifestou interesse (face a 32% em 2022), 16% "não sabe" e 53% rejeitou essa hipótese.

Houve 9.399 que deixaram o seu contacto para receber informação sobre o ingresso nas Forças Armadas.

Quanto ao caráter obrigatório apenas do Dia da Defesa Nacional, de acordo com os dados apresentados, 69,5% dos jovens inquiridos concorda que assim seja, 13,2% tem opinião neutra e 17,3% dos jovens questionados em 2023 não concorda.

A grande maioria (76,6%) gostou ou “gostou muito” do Dia da Defesa Nacional.

Questionados sobre se gostariam de passar uma semana numa unidade militar, 50,2% respondeu que sim, 22% “não sei” e 27,8% que não.