Luís Neves, hoje indicado pelo Ministério da Justiça para futuro diretor nacional da Polícia Judiciária (PJ), falava sobre "Perspetiva relativa à Investigação Criminal", no Seminário "Tráfico de Órgãos Humanos", painel que teve a presença da Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, do antigo ministro da Justiça Laborinho Lúcio, do juiz conselheiro Lopes da Mota e da formadora do Centro de Estudos Judiciários (CEJ) Patríca Naré Agostinho.

O diretor da UNCT, unidade que tem ainda competência para investigar os crimes de tráfico de pessoas e tráfico de armas, entre outros ilícitos graves, referiu os bons resultados alcançados recentemente na Europa no desmantelamento de redes de tráfico de órgãos humanos, com detenções e apreensão de património no valor de centenas de milhares de euros.

Luís Neves sublinhou que as participações deste tipo de crime podem chegar às autoridades através de denúncias anónimas ou através das redes sociais, como também por via dos familiares das vítimas, de entidades da saúde, organizações não-governamentais (ONG) e Instituto Nacional de Medicina Legal.

A cooperação judiciária, envolvendo Europol, Interpol, Eurojust, SIRENE, oficiais de ligação no estrangeiro e acordos bilaterais e multilaterais, foram alguns aspetos salientados pelo diretor da UNCT, a par da importância da troca e partilha de informação entre PJ, PSP, GNR, serviços de informação e Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

O responsável da PJ indicou que o tráfico de órgãos humanos implica muitas vezes a prática de outros crimes como branqueamento de capitais, profanação de cadáver, tráfico de pessoas e ofensa à integridade física grave.

As principais dificuldades na investigação do tráfico de órgãos humanos, admitiu, residem no "pacto de silêncio entre os envolvidos", inclusivamente das pessoas do círculo próximo do dador, na capacidade financeira do beneficiário, na deslocalização territorial do atos praticados e na diferença substantiva entre jurisdições de diferentes países.

A este propósito, reconheceu que o combate é mais fácil e eficaz dentro do espaço europeu, onde as cartas rogatórias são cumpridas com maior prontidão.

Como meios de obtenção de prova na investigação desta atividade criminosa, apontou as escutas telefónicas, a recolha de voz e imagem, a gestão dos informadores, a utilização de agentes encobertos, a vigilância eletrónica, o regime especial de quebra de sigilo profissional, a especialização de meios humanos e técnicos e a proteção de testemunhas.

As comunidades migrantes e/ou minorias e as pessoas vulneráveis, mormente com dificuldades financeiras, foram apresentadas como sendo os alvos preferenciais deste tipo de tráfico ilegal altamente lucrativo, em que o órgão mais procurado é o rim.

O tráfico de seres humanos, muitas vezes para recolha de órgãos para transplantação, é a segunda prática criminosa mais lucrativa, a seguir ao tráfico de armas, segundo a ONU.

Os números foram hoje apresentados durante o seminário, que decorreu na Assembleia da República e que reuniu especialistas da área da saúde e da justiça.

A perita do Instituto Português do Sangue Ana Pires da Silva utilizou a expressão “turismo de transplantação” para ilustrar o caso dos doentes, ricos, que vão a outro país, por exemplo Paquistão, China ou Índia, comprar um órgão para que este lhe seja transplantado, abusando e vitimizando pessoas desfavorecidas, sem estudos e que vivem no limiar da pobreza.

Segundo Organização Mundial de Saúde, a Índia, Paquistão e China são os países onde há mais turismo de transplantação, locais onde pessoas desesperadas não se importam de mutilar o seu corpo e vender um órgão a troco de dinheiro.

Apesar de se desconhecerem casos na Europa de pessoas que vendem órgãos, os países europeus não estão imunes ao facto de cidadãos irem ao oriente fazer um transplante ilegal e muitas vezes perigoso.

O crime de tráfico de órgãos humanos está, segundo organizações internacionais, entre os 10 crimes mais cometidos no mundo em 2015.

“Entre 5% e 10% dos transplantes renais, por exemplo, são realizados através do comércio de órgãos. O preço varia entre os 62 mil euros e os 140 mil euros”, disse Ana Pires da Silva, ressalvando que “o tráfico de órgãos é um capítulo negro da história da transplantação”.

A Organização Mundial de Saúde estima que haja 10.000 casos de retirada ilícita de órgãos humanos de pessoas vivas ou mortas para transplantes ou outros fins.

Portugal assinou, a 25 de março, a convenção sobre tráfico de órgãos para transplante, mas ainda não a ratificou.