De acordo com a socióloga, Portugal é hoje um país mais acolhedor para minorias do que há 10 anos, quando adotou a lei que permitiu o casamento entre pessoas do mesmo sexo, mas a discriminação não desapareceu.

“Também há elementos de conservadorismo que têm emergido ou não teríamos na Assembleia da República o líder do Chega”, André Ventura, referiu.

Sofia Aboim considerou, no entanto, que houve uma evolução notória, desde a entrada em vigor da lei, face a uma questão que arrastou durante anos um dos debates mais fraturantes na sociedade portuguesa.

“Há mais censura a atitudes homofóbicas”, observou, sublinhando que os jovens são os grandes responsáveis por esta mudança de atitude, mais notória em meios urbanos e com uma população mais escolarizada, que aceita também melhor a adoção de crianças, que viria a ser aprovada mais tarde, na sequência da lei do casamento civil.

Por outro lado, destacou, verifica-se também “uma abertura maior na sociedade portuguesa para discursos que são declaradamente conservadores, que estão na Assembleia da República”.

Sofia Aboim remeteu, desta vez, para o novo líder do CDS-PP, Francisco Rodrigues dos Santos, que se assume “declaradamente como um conservador”.

O que vai acontecer em Portugal “é difícil dizer”, na opinião da socióloga, especialmente depois da crise, provocada pela pandemia de covid-19 : “Há uma parte da população com maior tolerância, mas também há atitudes reacionárias”.

Em termos gerais, há uma aceitação maior e a discussão hoje não será tão fraturante, admitiu, mas com a ressalva que lhe impõe o “retorno do conservadorismo no mundo”.

“Em Portugal também tem havido alguns sinais de conservadorismos que existem na sociedade portuguesa”, indicou. “Temos de perceber o que vai acontecer a partir de agora, pós-pandemia”.

Para Sofia Aboim, há um maior cuidado com o politicamente correto, mas nada é adquirido e é preciso ter em conta “o descontentamento das pessoas, que pode advir das injustiças”.

“A história tem-nos revelado muitas surpresas”, frisou a especialista do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa.

Não tem, no entanto, dúvidas de que na última década, Portugal “mudou muitíssimo” e que as novas gerações estão “muito mais abertas” a aceitar a diferença.

“Continua a haver discriminação, homofobia, mas não como havia há 10 anos”, declarou, frisando que o casamento é mais aceite do que a adoção.

“Hoje, não estamos no mesmo Portugal de há 10 anos. Não estamos na dianteira, há conservadorismo, mas o balanço é de mudança significativa”, acentuou.

Ao mesmo tempo, evocou as incertezas com as consequências da crise e as desigualdades que persistem na sociedade.

Em relação ao comportamento dos portugueses notou que há uma passividade que não significa necessariamente aceitação ativa, ou seja, "desde que não seja nada comigo não meto".

“Acho que há uma mistura das duas coisas, uma certa tradição portuguesa de deixa andar, que não significa engajamento. Isso também não é muito bom, mas pode contribuir para que não haja conflitualidade”, afirmou, referindo que os níveis de agressão a homossexuais em Portugal são “baixíssimos”.

No início de 2010, a esquerda parlamentar aprovou o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo, deixando para trás a possibilidade de adoção, que viria a ser consagrada em 2016.

O diploma que eliminou a discriminação no casamento civil foi publicado em Diário da República a 31 de maio de 2010 para entrar em vigor cinco dias depois.

*Por Ana Mendes Henriques, da agência Lusa